O isolamento do país ganha contornos econômicos reais. Com uma
contração recorde de 62% na atração de investimentos por conta da
incapacidade de controlar a pandemia da covid-19 e diante das incertezas
sobre os destinos econômicos e políticos do país, o Brasil despencou no
ranking da ONU dos locais que mais receberam recursos externos em 2020.
Para a entidade, há uma correlação entre a falta de medidas sociais de controle do vírus e o impacto econômico.
Em 2019, a economia brasileira era a sexta no ranking da ONU de
atração de investimentos no mundo, anúncio que chegou a ser comemorado
pelo presidente Jair Bolsonaro
em suas redes sociais. O país, porém, terminou o ano de 2020 apenas
como o 11º maior beneficiário e perdeu até mesmo a liderança na América
Latina.
Os novos níveis de investimentos no país são equivalentes
apenas ao que se registrou há 20 anos. Em 2012, o Brasil chegou a ser
colocado pela Unctad (Conferência da ONU para o Comércio e o
Desenvolvimento) como o terceiro país mais citado por multinacionais
como destino preferido de investimentos. A partir de 2010, a economia
nacional variou entre a quarta e quinta maior receptora de investimentos
do mundo, situação que começou a mudar em 2019 e agora se aprofundou
num colapso ainda maior.
Para 2021 e 2022, a projeção da ONU é de
que a incerteza política e a crise sanitária podem perpetuar um baixo
nível de investimentos no país. As estimativas avaliam que o atual ano
pode registrar uma variação entre -5% e +5% no fluxo ao país.
Dados
publicados nesta segunda-feira pela Unctad revelam que o Brasil recebeu
US$ 24,8 bilhões em investimentos diretos em 2020, contra US$ 65
bilhões um ano antes, uma queda de 62%.
Com o resultado, o Brasil
perdeu espaço entre os principais destinos, foi superado por Suécia,
Alemanha, Índia e Luxemburgo e, na América Latina, foi ultrapassado pelo
México.
Se a contração esteve relacionada com a queda da economia
mundial em 2020 por conta da covid-19, os números globais revelam que
nem todos os países sofreram uma retração da mesma proporção do Brasil.
Na
média mundial, a queda foi de 35% e atingindo um total de US$ 1
trilhão. Nos países ricos, a contração chegou a 58%. Mas, ainda assim,
abaixo do desabamento registrado no Brasil.
O país também destoou
da média dos emergentes, que viram uma retração de apenas 8% nos
investimentos. A Ásia, que primeiro se recuperou da covid-19, chegou a
registrar uma alta de 4% no fluxo e hoje representa 50% de todo o
destino de investimentos. Para 2021, a previsão do informe é de que
haverá uma leve recuperação no fluxo global, entre 10 e 15%.
O
ranking é liderado pelos EUA, seguido por China, Hong Kong, Cingapura e
Índia. Tanto Pequim como Nova Déli registraram uma alta no fluxo de
investimentos nesse período.
Níveis mais baixos em 20 anos
No caso do Brasil, a ONU constata que o volume de investimentos recebidos foi "o mais baixo em duas décadas".
Para a entidade, há uma correlação direta entre a pandemia, a falta de medidas sociais de controle e o desabamento registrado.
"Experimentando
tanto a maior incidência de casos e mortes da covid-19 na região quanto
uma severa contração econômica, o Brasil adotou medidas suaves de
contenção da mobilidade da população e implementou transferências
fiscais destinadas à população vulnerável", disse. Isso, segundo a ONU,
atenuou a contração do PIB.
O Brasil ainda foi citado como um "exemplo" de um país que viu seu projeto de privatização afetado pela pandemia.
"A
crise da covid-19 desacelerou os programas de privatização em andamento
devido à elevada incerteza e à menor demanda do mercado. Por exemplo,
os programas no Brasil e no Vietnã sofreram retrocessos", disse.
"O
Brasil lançou seu programa de privatizações no final de 2018 com a
expectativa de reduzir o número de empresas públicas de 134 para 12.
Durante 2020, apenas duas privatizações foram concluídas", constatou.
Os
dados revelam uma queda de fluxos de 37% para o setor de serviços,
refletindo uma redução do investimento estrangeiro em serviços de
eletricidade e gás (-62%), comércio (-33%), serviços financeiros (-68%) e
transporte e logística (-90%).
Em contraste, o setor de seguros
registrou um aumento sem precedentes de investimentos, depois que a CNP
Assurances (França) adquiriu a carteira de seguros da Caixa por US$ 1,9
bilhão.
Mas, no setor de petróleo, a queda foi de quase 60%. A
queda não foi maior por conta das privatizações. A Petrobras fechou um
acordo com a Trident Energy Management (Reino Unido), que adquiriu uma
participação de 52% da Enchova & Pampo Oil Hubs por um valor
estimado em US$ 1,1 bilhão. A Karoon Energy (Austrália) comprou um campo
de petróleo por um valor estimado em US$ 665 milhões.
A ONU
aponta que o programa de privatização está previsto para ser reformulado
em 2021. "Nos primeiros meses do ano, três planos de privatização já
tinham obtido aprovação legislativa: para os correios; para a empresa de
radiodifusão EBC e para a venda de uma participação na Eletrobras, a
maior fornecedora de eletricidade do país.
Apesar da situação
complicada em 2020, a ONU estima que existe um "interesse contínuo dos
investidores estrangeiros em investir em energia renovável no país".
América Latina: pior desempenho entre todas as regiões
A
crise brasileira influenciou o resto do continente latino-americano. A
região registrou uma contração de 45% no fluxo de investimentos, somando
US$ 88 bilhões. O declínio foi o mais acentuado entre as regiões em
desenvolvimento.
"O continente sofreu a maior taxa de mortalidade
COVID-19 do mundo até hoje, e suas economias enfrentaram um colapso na
demanda de exportação, uma queda nos preços das commodities e o
desaparecimento do turismo", constata.
A ONU admite que, para os
exportadores de minerais e metais, a queda foi parcialmente amortecida
pela recuperação relativamente rápida dos preços das commodities durante
o segundo semestre do ano.
Empresas brasileiras perdem espaço no exterior
A
região ainda foi afetada por um desinvestimento no exterior, com um
resultado negativo de US$3,5 bilhões. Com problemas de caixa, empresas
brasileiras repatriaram recursos de suas subsidiárias no exterior.
"O
colapso foi causado principalmente pelas saídas em grande parte
negativas de empresas brasileiras (- US$26 bilhões), que continuaram a
buscar fundos através de suas subsidiárias no exterior", disse a ONU.
No total, multinacionais latino-americanas repatriaram US$ 50 bilhões neste período.
O
resultado foi parcialmente compensado pelas empresas chilenas, que
aumentaram as saídas de capital em 25% para US$12 bilhões. As empresas
mexicanas também aumentaram os investimentos no exterior. "De modo
geral, o Chile, a Colômbia e o México geraram quase todos os
investimentos externos da América Latina", constata.
Estagnação e retorno apenas em 2023
As
projeções da ONU apontam que, de fato, a recuperação latino-americana
não será fácil. "Em 2021, espera-se que os investimentos externos para a
região permaneçam estagnados, desafiado por muitos riscos negativos,
incluindo incertezas econômicas e políticas", diz. Para 2021, o fluxo
ficará abaixo do aumento médio esperado para as economias em
desenvolvimento como um todo.
"Mesmo assumindo que as condições
fiscais e monetárias continuem a acomodar a recuperação econômica e que
as campanhas de vacinação façam progressos rápidos, não se espera que o
investimento externo se recupere a seu nível pré-crise antes de 2023",
alerta a ONU.
Para o ano, espera-se que o PIB real cresça a um
ritmo de 4,4% na América do Sul, abaixo da recuperação de 6,7% esperada
nos países emergentes e em desenvolvimento.
"A América Latina é
severamente afetada pela crise da covid-19, e sua recuperação pode ficar
atrás da de outras regiões", constata a ONU. "As medidas de estímulo
fiscal nos Estados Unidos devem dar algum impulso à região mais ampla
através do comércio e das remessas, mas a incerteza política é alta, com
eleições gerais programadas para 2021 e 2022 em várias das principais
economias receptoras de IDE (incluindo Chile, Colômbia e Brasil)",
completa.
UOL