O ex-presidente Lula criticou nesta
sexta-feira (26), em entrevista exclusiva concedida à Folha de S.Paulo e
ao jornal El País, o que diz ser uma diferença de tratamento dado a ele
e ao atual presidente da República, Jair Bolsonaro.
"Eu,
ex-presidente da República, sem nenhuma prova, foram na minha casa,
recebi vários policiais. O seu Queiroz não atendeu a nenhum pedido [para
depor no Ministério Público] e a Polícia Federal não foi buscar ele
ainda", disse Lula.
Após
uma batalha judicial na qual a entrevista chegou a ser censurada pelo
STF (Supremo Tribunal Federal), decisão revista na semana passada pelo
presidente da corte, Dias Toffoli, o petista recebeu os dois veículos,
em uma sala preparada pela Polícia Federal na sede do órgão em Curitiba,
onde está preso desde abril do ano passado.
Sobre
a eleição de 2018, Lula diz que acreditava na possibilidade de
concorrer à Presidência mesmo estando na cadeia. " Uma das condições que
fez com que eu viesse para cá era porque não havia nenhum advogado
naquele instante que não garantisse que eu disputaria as
eleições sub-judice. Mesmo condenado, eu poderia concorrer."
O
ex-presidente também se queixa da visão negativa que incide hoje sobre a
política. "A política está efetivamente demonizada. E vai se levar um
tempo muito grande para a gente tratar a política com mais seriedade."
Leia, abaixo, novos trechos da entrevista de Lula:
Lula
- No dia em que eu sair daqui, eles sabem, eu estarei com o pé na
estrada. Para, junto com esse povo, levantar a cabeça e não deixar
entregar o Brasil aos americanos. Para acabar com esse complexo de
vira-lata.
Eu nunca vi um
presidente bater continência para a bandeira americana [como fez
Bolsonaro]. Eu nunca vi um presidente ficar dizendo "eu amo os EUA, eu
amo". Ama a sua mãe, ama o seu país! Que ama os Estados Unidos! Alguém
acha que os Estados Unidos vão favorecer o Brasil?
Americano
pensa em americano em primeiro lugar, pensa em americano em segundo
lugar, pensa em americano em terceiro lugar, pensa em americano em
quinto e se sobrar tempo pensa em americano.
E
ficam os lacaios brasileiros achando que os americanos vão fazer alguma
coisa por nós. Quem tem que fazer por nós somos nós. A solução dos
problemas do Brasil está dentro do Brasil.
O
seu partido perdeu a eleição e a extrema direita chegou ao poder com
muitos votos que eram do PT. Como o senhor avalia essa guinada?
Lula
- Vamos só relativizar tudo isso. Uma das condições que fez com que eu
viesse para cá era porque não havia nenhum advogado naquele instante que
não garantisse que eu disputaria as eleições sub-judice. Mesmo
condenado, eu poderia concorrer.
E
eu estava com um orgulho muito grande de ganhar as eleições de dentro
da cadeia. É importante lembrar que eu cresci 16 pontos aqui dentro [da
prisão]. Sem poder falar.
Aí
quando o ministro [do STF e do TSE, Luís Roberto Barroso] fez aquela
loucura [foi decidido que Lula não poderia se candidatar], eu tive que
assinar uma carta dizendo para o [Fernando Haddad] ser candidato.
Ali eu senti que nós estaríamos correndo risco. A transferência de votos não é simples, automática. Leva tempo.
Eu tinha certeza de que o Haddad poderia representar muito bem a candidatura, como representou.
Nós
tivemos uma eleição atípica no Brasil. O papel do fake news na
campanha, a quantidade de mentira, foi uma coisa maluca. E depois [teve]
a falta de sensibilidade dos setores de esquerda de não se unirem.
A coisa foi tão maluca que a Marina [Silva, da Rede], que quase foi presidente da República em 2014, teve 1% dos votos.
Eu
respeito o voto do povo. O povo não é bom só quando vota em mim. Mas a
verdade é que eu nunca tinha visto o povo com tanto ódio nas ruas.
Eu
já fui muito a estádio de futebol. Eu sou corintiano. Eu ia com
palmeirense, com são-paulino, com santista. A gente brincava, brigava.
Mas, agora, era loucura. É ódio. E eu tenho acompanhado por leitura.
Está no mundo inteiro assim.
A
política está efetivamente demonizada. E vai se levar um tempo muito
grande para a gente tratar a política com mais seriedade. Veja o caso do
Brasil. O que você tem visto nesses quatro meses? Eu não esperava que o
Bolsonaro fosse resolver o problema do Brasil em quatro meses.
Quem
acha que em cem dias pode apresentar alguma coisa, realmente não
aprendeu a sentar a bunda na cadeira. E, depois, com a família que ele
tem. Com a loucura que tem. Quem é o primeiro inimigo que ele tem? É o
vice [general Hamilton Mourão]. Ele [Bolsonaro] passa a agredir os
deputados, depois tenta agradar os deputados. Diz que está fazendo a
nova política e a política que ele faz é a mesma porque ele é um velho
político.
Ou seja, o país
está desgovernado. Ele [Bolsonaro] não sabe até agora o que fazer e quem
dita regras é o Paulo Guedes. O homem de R$ 1 trilhão [que o ministro
afirma que será economizado com a reforma da Previdência]. A única coisa
que o povo sabe é do R$ 1 trilhão.
Eu
vejo jornal das 7, das 8, das 11, do meio-dia, em todos os canais.
Nunca vi tanto jornal na vida. É tudo a mesma coisa. Parece as sentenças
que dão contra mim.
Fez a
reforma da Previdência, acabou o teu problema. Acabou o problema do
Brasil. Todo mundo vai ficar maravilhosamente bem. E eu acho que todo
mundo vai se lascar se for aprovada a Previdência tal como ele [Guedes]
quer.
Se a Previdência
precisava de reforma, senta com os trabalhadores, com os empresários,
com os aposentados, os políticos, e encontra uma solução para arrumar
onde tem que arrumar.
Dá para
culpar muitos pela derrota. Mas vocês ficaram muito tempo no poder.
Houve corrupção de fato, comprovada. Que auto-crítica que o senhor faz? E
como fica o PT agora, sem o senhor?
Lula
- Obviamente que reconhecemos que perdemos as eleições. Mas é
importante lembrar a força do PT. Porque só eu pessoalmente tenho mais
de 80 capas de revistas contra mim. Quando eu fui preso, eu tinha 80
horas de Jornal Nacional contra mim. Mais 80 horas da Record, mais 80
horas do SBT, mais 80 horas de um monte de coisas. E eles não
conseguiram me destruir. Isso significa que o PT tem uma força muito
grande.
O PT não foi
destruído. O PT perdeu a eleição. Provou que é o único partido que
existe nesse país. O resto é sigla de interesses eleitorais em momentos
certos. Quem acabou foi o PSDB. Esse acabou. Esse foi dizimado.
Então
o PT perdeu as eleições. Deve ter cometido erros durante os nossos
governos. O Ayrton Senna cometeu erros, um só, e morreu.
E a corrupção?
Lula
- Ela pode ter havido. Agora, que se faça prova. Teve corrupção, a
polícia investiga, faz acusação, prova, está condenado. Fomos nós do PT
que criamos os melhores mecanismos para apurar a corrupção. Não foi o
Moro, não foi ninguém. Combater a corrupção é uma marca do PT.
Se alguém do PT cometeu um erro, tem que pagar. A única coisa que queremos é que se apure, que se investigue.
Eu falo por mim. Eu desafio Moro, Dallagnol, 209 milhões de pessoas -inclusive você- a provar a minha culpa.
Na
questão do sítio, houve de fato uma reforma, comprovada, e o senhor
usufruiu dessa reforma. A Justiça decidirá se houve crime. Mas não houve
um erro?
Lula - Eu poderia
ter aceito e nunca ter ido naquele sítio. Então eu cometi o erro de ter
ido no sítio. Eu disse que está provado que eu fiquei sabendo daquele
maldito sítio dia 15 de janeiro de 2011. E o sítio tinha dono, dono,
pré-dono, e bidono. O Jacó Bittar era meu amigo de 40 anos, comprou o
sítio no nome do filho dele, com cheque dado pela Caixa Econômica
Federal, e a polícia sabe disso, a polícia investigou.
Nós
tivemos policiais e procuradores visitando casa de trabalhador rural
[do sítio], casa de pedreiro, casa do caseiro, perguntando até para as
galinhas: "Você conhece o Lula? O Lula é o dono?" Nem as galinhas
falaram. Porque se eu quisesse eu podia comprar.
Então,
se eu cometi o erro de ir num sítio em que alguém pediu e a Odebrecht
reformou, vamos discutir a questão ética. Aí é outra questão.
Acontece que o impeachment da Dilma [Rousseff], o golpe, não fecharia com o Lula em liberdade.
Qual
é o meu incômodo? Se eu tivesse aqui preso e o salário mínimo tivesse
dobrado, [pensaria] "o Lula realmente é um desgraçado, prendeu e
melhorou [a vida do] povo". Mas não.
Acabaram
agora com o aumento real do salário mínimo. Inventaram uma carteira de
trabalho verde e amarela [com menos direitos, para quem estiver entrando
no mercado de trabalho]. Nenhum empresário vai contratar um trabalhador
que não esteja com carteira verde e amarela.
Essa gente pensa que o povo é imbecil para ficar mentido o tempo inteiro para o povo.
Quando
falam em autocrítica, eu acho que nós devemos ter muitos erros. Eu, por
exemplo, tive um erro grave. Eu poderia ter feito a regulamentação dos
meios de comunicação.
É uma
autocrítica que eu faço. Mas imagina se todo mundo nesse Brasil fizesse
uma autocrítica. A elite brasileira deveria estar agora fazendo
autocrítica: "Poxa vida, como a gente ganhou tanto dinheiro no governo
do Lula, como é que o povo pobre vivia tão bem, como é que o povo pobre
estava viajando para o Piauí, para Sergipe, para Guaranhus, de avião e
agora nem de ônibus pode viajar?".
Vamos
fazer uma autocrítica por causa do que aconteceu em 2018 na eleição.
Vamos fazer uma autocrítica geral nesse país. O que não pode é esse país
estar governado por esse bando de maluco.
O senhor se sente injustiçado por empresários que cresceram em seu governo fazerem delações premiadas contra o PT e o senhor?
Lula
- Eu não fico com raiva. Eu tenho desafiado os empresários a dizerem
quem é que me deu cinco centavos. A coisa é que mais acontece no Brasil é
denúncia. E sou favorável que todas as denúncias feitas sejam apuradas.
Investiga, investiga, apura, apura, faz o que quiser.
Eu
estou achando estranho essa tal dessa milícia do Bolsonaro. Cadê aquele
cidadão dos R$ 7 milhões [Fabrício Queiroz, ligado a Flavio
Bolsonaro]? Cadê a imprensa que não está atrás do Queiroz? Então, é o
seguinte, o Brasil tem dois pesos e duas medidas.
Eu,
ex-presidente da República, sem nenhuma prova, foram na minha casa,
recebi vários policiais. O seu Queiroz não atendeu a nenhum pedido [para
depor no Ministério Público] e a Polícia Federal não foi buscar ele
ainda.
Os policiais do
Exército dão 80 tiros num carro, matam um negro. E vai [a imprensa]
perguntar para o ministro da Justiça e ele fala: "Isso pode acontecer". É
por isso que eu não tenho o direito de baixar a cabeça, de ficar
esmorecido, fraquejar. Eu estou mais tinhoso que nunca. gauchazh
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