Distorção e falsificação da história e difamação da memória das vítimas
foram algumas das reações de parlamentares à declaração do presidente e
seu chanceler de que o nacional-socialismo teria sido movimento de
esquerda.
Políticos de todos os partidos que compõem o Parlamento alemão condenaram as declarações do presidente Jair Bolsonaro
e do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de que o nazismo
teria sido um movimento de esquerda. Deputados ouvidos pela DW
consideraram inaceitável a comparação feita pelo governo brasileiro.
"Os
nazistas já usavam conscientemente a distorção política como
instrumento da sua propaganda fascista. O fato de Jair Bolsonaro se
apoiar nesta mentira é um ultraje nojento às vítimas do nazismo",
afirmou a deputada Yasmin Fahimi, presidente do Grupo Parlamentar
Teuto-Brasileiro no Bundestag (Parlamento alemão).
A deputada do
Partido Social-Democrata (SPD), legenda mais antiga da Alemanha, lembrou
ainda que as primeiras vítimas nos porões de tortura nazistas foram os
social-democratas e sindicalistas e destacou que o nazismo foi um regime
de extrema direita, marcado pela desumanidade, pelo belicismo e por uma
ideologia racista que custou a vida de milhões de pessoas.
"Essas
declarações difamam a memória das vítimas da violência nazista. Um
movimento de esquerda luta pela liberdade e igualdade das pessoas, ou
seja, justamente o contrário", disse Fahimi, que faz parte da legenda
que integra a coalizão que governa a Alemanha ao lado da União
Democrata-Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, e da União
Social-Cristã (CSU).
O porta-voz de política externa do Partido
Verde, Omid Nouripour, também condenou as declarações de Bolsonaro e do
ministro Araújo. "Isso é uma distorção e falsificação massiva da verdade
histórica. A tentativa de desacreditar a esquerda com esse absurdo é
uma manobra concertada internacionalmente pela extrema direita para
desviar a atenção de sua política vazia, porém, desumana", disse.
O
deputado ressaltou que o nome Partido Nacional-Socialista dos
Trabalhadores Alemães, ou NSDAP, foi apenas uma estratégia para atrair a
classe trabalhadora e classificou a legenda como a mais extremista de
direita que já houve.
Peter Weiss, da conservadora CDU, lembrou
que o partido nazista em seu início tinha uma ala socialista, que
progressivamente foi eliminada. "O nazismo não foi um ‘movimento de
esquerda', mas um movimento nacionalista, völkisch e racista,
que conduziu a uma catástrofe na Alemanha e Europa", afirmou o deputado,
que também faz parte do grupo parlamentar alemão responsável por
cultivar as relações com o Congresso brasileiro.
O deputado Gero
Hocker, do Partido Liberal Democrático (FDP), disse que o Brasil tem
problemas maiores do que um debate sobre a história alemã. "Em vez de
fazer comparações históricas inadmissíveis, Bolsonaro deveria promover
em seu gabinete a vigência das condições básicas legais confiáveis
também para investidores estrangeiros em seu país, impulsionar a
educação e cortar impostos para trabalhadores e empresários para, assim,
atrair investidores e fortalecer o poder de compra".
O deputado,
que também é membro Grupo Parlamentar Teuto-Brasileiro, argumentou
ainda que todo sistema ditatorial, tanto os de direita quanto os de
esquerda, combate a diversidade e abertura de uma sociedade, e em ambos
os casos há restrições de liberdades econômicas e sociais. Desta
maneira, as duas classificações apresentam características semelhantes.
"Ao mesmo tempo, historicamente é inútil fazer uma relativização do
sofrimento das ditaduras de esquerda e de direita por meio de uma
comparação geral como a de Araújo".
Para o deputado Alexander Ulrich, da legenda A Esquerda, as declarações demonstram uma ignorância massiva ou são negação deliberada da história
e política. "Isso é para um presidente, especialmente de um país grande
como o Brasil, extremamente dramático e perigoso. Com essas
declarações, Bolsonaro quer desacreditar a esquerda, no entanto, ele
acaba apenas se ridicularizando", acrescentou.
Integrante do
Grupo Parlamentar Teuto-Brasileiro, Ulrich destacou que a ideologia de
extrema direita do nazismo não tem nenhuma relação com a ideologia
democrática e solidária internacionalmente da esquerda. "Pelo contrário,
vejo uma série de traços do nazismo na própria política de Bolsonaro.
Ficaria surpreendido se ele descrevesse a si próprio como de esquerda",
afirmou.
Já o deputado Martin Hess, da legenda populista de
direita Alternativa para a Alemanha (AfD), disse que na Alemanha houve
um debate no passado sobre essa tese sem que ela fosse incorporada no
discurso e lembrou que Bolsonaro baseou sua declaração em argumentos do
filósofo Olavo de Carvalho.
"Nosso partido, se concentra em
encontrar soluções para problemas atuais e ameaças à nossa segurança e
ao nosso bem-estar. Assim, devemos deixar debates históricos para
historiadores e filósofos", acrescentou Hess, que também está no Grupo
Parlamentar Teuto-Brasileiro.
Questionado sobre os comentários, o
porta-voz de Merkel, Steffen Seibert, preferiu não comentar as
declarações de Bolsonaro, porém, afirmou que a posição do governo da
Alemanha em relação ao nazismo é bastante conhecida e clara. "Há anos e
décadas existe uma convicção muito sólida que nos sustenta e sustenta
todo nosso país", destacou.
Na Alemanha, há um amplo consenso, nos âmbitos acadêmico, social e político, sobre a natureza de extrema direita do nazismo. A disputa sobre a classificação da ideologia nazista é inexistente entre historiadores renomados.
Declarações controversas
No
fim da viagem a Israel, Bolsonaro disse a jornalistas "não ter dúvidas"
de que o nazismo foi um movimento de esquerda. A declaração foi feita
após uma vista ao memorial Yad Vashem, em Jerusalém, um museu público em
memória às vítimas do Holocausto. A própria instituição define o
nazismo como um movimento de direita.
O posicionamento do
presidente ocorreu em meio à polêmica causada por declarações recentes
de Araújo de que o nazismo teria sido um "fenômeno" de esquerda. Com as
alegações, a tese parece ter virado discurso oficial em Brasília.
Em longa entrevista a um canal simpático à extrema direita no Youtube, o ministro repetiu um discurso que esteve em alta nas mídias sociais brasileiras
durante as eleições, mas que jamais foi levado a sério por acadêmicos
na Alemanha. A tese é tida como absurda e desonesta por acadêmicos e
diplomatas europeus.
Em Jerusalém, questionado na terça-feira se
concordava com a afirmação de Araújo, Bolsonaro afirmou: "Não há dúvida.
Partido Socialista... Como é que é? Da Alemanha. Partido
Nacional-Socialista da Alemanha."
Os atuais defensores do
"nazismo de esquerda" costumam se basear no nome oficial da agremiação
nazista, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou
NSDAP. A presença da palavra "socialista" revelaria a linha ideológica
do regime. Historiadores internacionais de renome, porém, destacam que
isso não passou de uma estratégia eleitoral para atrair a classe
trabalhadora. DW
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