Insegurança. Esta talvez seja a palavra que mais tem perseguido os
trabalhadores autônomos durante as medidas de combate e prevenção ao
coronavírus. Como são profissionais que exercem atividades por conta
própria, muitos têm enfrentando um mar de incertezas e buscado saídas,
afinal, as contas não param de chegar e precisam ser pagas em dia.
Caso
de Douglas Souza, de 41 anos, que é pedreiro e trabalha com
acabamentos. Antes, ele tinha que agendar as demandas que chegavam pela
alta procura por seu serviço. Desde o início de março, porém, pegou
apenas duas obras, uma de quatro dias e outra de três. Muitas pessoas
têm evitado mexer com obras para poupar dinheiro, enquanto outras temem
receber os profissionais em casa justamente pelo medo da transmissão do
coronavírus. Isso afetou Souza, que é separado, tem três filhos e paga
pensão por dois deles.
"Recebo pelo serviço que faço, mas ninguém tem feito nada. Minha
renda dependia toda dos serviços que pegava como pedreiro. Mesmo que
peçam pra que eu fique em casa, é difícil pra mim. Todo dia 23 eu
preciso pagar pensão. Agora, estou correndo atrás do valor para pagar a
pensão do mês de abril", comenta.
Souza mora na casa da mãe, que
faleceu há cerca de um ano. Uma saída encontrada por ele foi fazer
salgados para vender sob encomenda, o que está bem recente e ainda não
cobre suas despesas. Ele mora em Betim, na região metropolitana de Belo
Horizonte, recebe os pedidos por telefone e prepara na quantidade que o
cliente deseja.
"Como eu moro sozinho, com pouca coisa eu
consigo me manter. Mas chega (conta de) água, luz, e preciso pagar. Tudo
transformou. Sendo autônomos, como vamos sobreviver? Agora é esperar o
tempo passar e ver se melhora, mas correndo atrás de outras coisas pra
ver se consigo arrumar dinheiro. Há mais de 20 anos, eu mexia com
salgado. Então me juntei com uma amiga, e começamos a fazer agora.
Vendemos por encomenda, mas a venda ainda não está grande", aponta
Souza.
Não só a construção civil teve baixas. Sem aulas em
instituições públicas e privadas de ensino desde março, Marília Duarte,
de 42 anos, teve que encostar a van escolar. A Tia Lila, como é
conhecida, transportava em média 60 crianças e adolescentes para creches
e escolas diariamente, o que não acontece desde o dia 19 do último mês.
Sem trabalhar desde então, alimenta a preocupação por depender
integralmente da renda proveniente do trabalho.
"A gente
fica insegura porque essa é minha única renda. As contas não param. Vem
prestação da van, do apartamento, despesas da casa, gastos com
alimentação e saúde. Tenho duas funcionárias no escolar. Uma fica na
porta da escola, e a outra fica na van comigo. Combinei com elas de
pagar proporcional ao que recebo. Temos combinado, porque também não
quero dar prejuízo a elas", conta.
Em contato com a reportagem,
Tia Lila afirmou que alguns pais têm pagado a mensalidade, mas outros,
não. Ela mora com a filha de 16 anos e já começou a organizar as contas
para driblar os reflexos da pandemia. As duas, inclusive, têm pensado em
um plano B, caso a situação não melhore.
"Cortei academia,
clube, TV a cabo, e temos priorizado as coisas mais importantes, como
alimentação, contas de água e luz, por exemplo. Vamos tirando aqui e ali
para ver como fica. Sem escola, não tenho renda. Pensei até em ir para o
interior, na casa dos meus pais, pelo menos até ver que rumo as coisas
vão tomar. É meu plano B. Não consigo segurar porque não tenho poupança.
No ano passado, tive problemas de saúde, operei, e foi quando gastei
toda a minha reserva", comenta.
Há mais de um mês sem trabalhar,
a esteticista Sirlene Maciel encontrou em uma lembrança do passado uma
saída em meio à crise. Como clínicas de estética não se enquadram nos
chamados "serviços essenciais", ela está impossibilitada de exercer a
profissão, mas tem feito máscaras em casa para vender. Sirlene mora com
dois filhos e com a avó, de 90 anos. Antes, atendia em uma sala dentro
de uma clínica de estética quatro vezes por semana.
"Tem uns 15
dias que comecei a fazer máscara porque vi que não conseguiria ficar
parada. Precisava trabalhar pra complementar a renda. Tive a ideia de
buscar os moldes e buscar tecido. Eu não sabia costurar. Há muitos anos,
morei com uma tia, e ela costurava. Vendo ela costurar, comecei a ter
essa noção. Com isso tudo de agora, procurei moldes de máscaras e
comecei a fazer", conta. "Tudo foi reduzido aqui em casa. Temos
economizado bastante, e pensei nessa forma de ter um dinheiro agora",
completa.
De olho no bolso
É inevitável
pensar que a pandemia do coronavírus vai afetar a economia mundial,
refletindo-se nas rotinas das pessoas. As projeções dos economistas não
são muito claras, mas O TEMPO conversou com o consultor
financeiro Carlos Eduardo Costa para saber como a vida financeira pode
ser organizada neste momento de tanta insegurança. O momento é de manter
a calma e buscar saídas para diminuir despesas e aumentar a renda.
- Como organizar a vida financeira neste momento de incertezas?
Carlos Eduardo: Antes
de mais nada, é importante que a pessoa tenha consciência das suas
contas. Organizar e levantar tudo o que gasta. É importante não ficar na
armadilha de pensar que a gente consegue levantar os nossos gastos só
na memória. Talvez alguns a gente até consiga, como aquilo que a gente
paga só uma vez por mês, como prestação da casa própria, a mensalidade
do plano de saúde ou a escola do filho. Mas a maior parte das nossas
despesas a gente não faz uma vez só, como ir ao supermercado, à padaria,
colocar gasolina.
É preciso ter um controle maior sobre isso
para saber efetivamente para onde nosso dinheiro vai. Quando a receita
diminui, temos que privilegiar as despesas essenciais para viver neste
momento. Abrir mão daquilo que não é tão fundamental. Claro que nossos
gastos são importantes para nós, mas óbvio que tem uns mais e outros
menos importantes, e por isso temos que privilegiar o que é mais
importante, como alimentação e gastos ligados a moradia. O primeiro
passo é um choque na diminuição de despesas.
- E para quem é autônomo?
Carlos Eduardo: É
importante pensar se há formas, sendo autônomo, de continuar fazendo o
produto ou vendendo o serviço para os clientes. Nesse sentido, as redes
sociais podem ser grandes aliadas, como WhatsApp e Instagram. É ver se é
possível continuar em contato com o seu público, oferecendo o serviço
com novas alternativas de entrega. Se sou autônomo em que o serviço não
pode ser prestado agora, uma alternativa é fazer campanhas de vendas
antecipadas, de pacotes com desconto, por exemplo, tentando
eventualmente até mudar o foco do trabalho. É momento de ser criativo.
- Como buscar saídas?
Carlos Eduardo: Muitas
empresas têm oferecido cursos gratuitos, por exemplo. Como muitas
pessoas estão com um tempo mais livre, é interessante buscar mais
qualificações para esse novo mercado, até para descobrir uma tarefa nova
que pode ser feita. Pode ser interessante caminhar nesse sentido. Acho
que, depois dessa pandemia, muitos de nós vamos refletir sobre o consumo
também, se realmente é preciso de tudo que achávamos que precisávamos.
- É possível fazer projeções para a nossa economia?
Carlos Eduardo: Diria
que essa é uma pergunta de um milhão de dólares, porque ninguém tem
resposta. É algo muito novo, ainda não tínhamos vivido algo assim. O
mundo inteiro está sofrendo com as consequências disso. Um ponto é
óbvio: as economias serão muito afetadas. Temos projeções de que, neste
ano, haverá uma queda de 5% no PIB no Brasil, o que é muito. Nunca
tivemos isso.
- Mas como será a recuperação?
Carlos Eduardo: Aqui
entra uma divergência entre economistas. Alguns dizem que será rápida,
como num formato de "V", em que a gente cai, bate lá embaixo e volta de
novo. Outros esperam algo em formato de "U", em que a gente cai, fica um
tempo lá embaixo e sobe. Já outros esperam algo em "L", em que a gente
cai e permanece. Tudo depende de como as coisas vão acontecer, e essa é a
maior incerteza, porque estamos nos preparando para algo que não
sabemos.
otempo
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