A maioria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) votou contra a possibilidade de políticos terem o mandato cassado por abuso de poder religioso. O julgamento fez o TSE entrar na mira da militância digital bolsonarista e de lideranças evangélicas, que viam na discussão uma caça às bruxas ao conservadorismo e uma ameaça à liberdade de culto.
Atualmente, a legislação eleitoral prevê três tipos de abuso de poder
que podem levar à perda do mandato: o político, o econômico e o uso
indevido dos meios de comunicação. O ministro Edson Fachin
propôs criar também a possibilidade de se punir quem utiliza sua
ascendência eclesiástica sobre algum grupo para influenciar na escolha
de candidatos, o que foi rejeitado pela maioria dos integrantes do TSE.
"Não vejo como conceber o abuso de poder religioso de forma autônoma. Não é preciso destacar uma categoria", disse o ministro Og Fernandes.
"Se levarmos ao pé da letra, poder-se-ia invocar abuso de poder
esportivo escolher atletas que servem de identificação e influência na
escolha do eleitor. O que é de interesse da Justiça Eleitoral é a
garantia dessa liberdade de escolha."
O ministro Luís Felipe Salomão, que deu o quarto voto contra
a proposta de Fachin, apontou dificuldades no debate do tema. "A
primeira delas é a própria ingerência do Estado, do estado juiz, a
considerar o abuso do poder religioso ou a ingerência no próprio poder
religioso, que seria o inverso e me parece inquietante no contexto do
Estado democrático de Direito. E segundo lugar, a questão do
subjetivismo, onde cada um pode chegar à conclusão diversa não havendo
uma base objetiva para a configuração desse abuso. A própria doutrina
especializada no tema esclarece a necessidade de uma previsão expressa
sobre o que se considera abuso de poder religioso, ainda que seja
possível analisar interferência de líderes", observou Salomão.
Ativismo judicial
Em reunião reservada com
deputados da Frente Parlamentar Evangélica, no último dia 5, Fachin
ouviu críticas à sua proposta. Para os parlamentares, é "ativismo
judicial" cassar o mandato de políticos (de vereadores a presidente da
República) por abuso de poder religioso, sem uma previsão explícita na
lei sobre o tema. Em memorial distribuído aos ministros da Corte
Eleitoral, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure)
alegou que a legislação eleitoral não prevê o chamado "abuso de poder
religioso", de modo que a aplicação de sanções com base nesse novo
conceito tem o potencial de gerar "grave insegurança jurídica e violar a
liberdade religiosa".
Fachin é o relator do caso que envolve a
vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos). Pastora da
Assembleia de Deus, ela é acusada de usar sua posição na igreja para
promover a candidatura, influenciando o voto de fiéis. Valdirene foi
reeleita em 2016. O relator já votou contra a cassação da vereadora, por
não encontrar provas suficientes no caso concreto, mas ressaltou que
Estado e religião devem ser mantidos separados para garantir a livre
escolha dos eleitores.
"A imposição de limites às atividades
eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade
de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a
ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores
específicos da comunidade", disse Fachin no início do julgamento, em
junho, num dos trechos mais polêmicos do voto, interpretado como uma
crítica severa aos neopentecostais.
O presidente da Anajure, Uziel Santana, elogiou o entendimento da
maioria dos ministros do TSE. "O TSE, guardião do poder eleitoral,
exerceu dignamente a função constitucional que lhe é reservada. Aprovar
uma restrição de direitos a um segmento social, qualquer que seja ele,
seria abuso do poder judicial contra a democracia participativa. As
preocupações do ministro Fachin são legítimas, mas já contempladas no
sistema legislativo eleitoral. Inovações só através do Congresso
Nacional", disse Uziel.
EM
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