O homem que esfaqueou Jair Bolsonaro (PSL) como parte de um plano
para matar o candidato teria sido consagrado pastor evangélico durante
os anos 2000 e, ao longo de sua militância política no PSOL, quase saiu
candidato a deputado.
Uma extensa reportagem do portal Uol sobre Adélio Bispo de
Oliveira, que alegou ter agido “a mando de Deus” para esfaquear Jair
Bolsonaro, apontou que ele passou a professar a fé evangélica no final
dos anos 1990, quando morava em Uberaba (MG).
À época, com pouco mais de 20 anos de idade, trabalhava vendendo
livros, e como parte de sua luta por sobrevivência, terminou procurando
ajuda na Igreja da Fé, que era dirigida pelo pastor Romildo Cândido.
Cândido – que atualmente dirige a Igreja Voz dos Mártires – concedeu
entrevista e falou que Adélio já era obcecado pela política,
demonstrando-se um “idealista”, mas demonstrando ser “revoltado” e
“confuso”.
“Ele sempre foi zeloso pela Bíblia e pelas coisas de Deus. E falar
que foi Deus que mandou [cometer o crime]? Eu até comentei com a minha
esposa: a cabeça dele não estava boa mesmo. Acho que ele não está bem”,
disse o pastor Cândido, expressando surpresa com o atentado.
Em 1998, a dedicação de Adélio à igreja rendeu-lhe a ordenação como
obreiro do ministério. No ano seguinte, numa viagem feita ao lado de
Cândido a São Paulo, o então obreiro foi promovido a evangelista. No
começo dos anos 2000, porém, Adélio teria sido consagrado pastor em uma
igreja missionária de sua cidade natal, Montes Claros. Nem o pastor
Cândido, nem o Uol, entretanto, souberam precisar a data e a denominação.
O próprio Romildo Cândido enfatizou que, ao longo dos anos, Adélio
passou por várias igrejas evangélicas, de várias cidades. “Ele sumia.
Uma hora ele estava em Santa Catarina, outra hora em Uberaba e, depois,
voltava a Montes Claros”, disse.
Uma reportagem da Folha de S. Paulo
mostrou que familiares de Adélio relataram que aos 17 anos ele se
tornou um “andarilho”, sempre mudando de cidade à procura de emprego,
passando inclusive pelos estados de São Paulo e Santa Catarina.
“Desde que o conheci, em 98, sempre tivemos um vínculo como amigos.
Teve uma época que ele não tinha onde morar e ficou na minha casa. Eu o
ajudei muito, ele era um cara idealista e que tinha uma visão política
como poucos brasileiros. Só que era de esquerda”, declarou o pastor
Cândido.
A revolta com a política, reiterou o pastor, era constante: “Ele se
mostrava nervoso, xingava os políticos e a maçonaria. Durante todo o
tempo, ele foi muito avesso à maçonaria. Não sei se já tinha esse
pensamento de fazer o que fez. Ele passou a se isolar. Debatia muito
política e passou a se isolar das pessoas que tinham mais intimidade”,
acrescentou.
Candidatura
Entre os fiéis com quem interagia, Adélio era visto como uma pessoa
reservada, que pouco compartilhava sobre a própria vida. O pastor
Cândido relembrou que o pupilo não tinha namorada e costumava dizer que
“não queria arrumar filho para deixar sofrendo na terra”. Nas conversas,
nunca falava sobre as viagens que fazia, apenas comentava de política.
Conforme a identificação com a ideologia de esquerda cresceu, Adélio
decidiu filiar-se ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em maio de
2007. O pastor Cândido, que quatro meses depois também se filiou à
legenda, contou porém que Adélio tinha o sonho de ser candidato a
deputado.
“Um dia eu disse para ele que, já que ele queria mesmo ser candidato,
que buscasse a direita, talvez o PSDB ou o MDB. Aí ele disse: ‘Com esse
povo, não’. O negócio dele era realmente o PSOL, o PSTU. Ele foi
criando uma aversão à direita. Sempre foi da mesma forma”, acrescentou o
pastor, que ao contrário de Adélio, não tinha a convicção ideológica da
esquerda.
Esse relato sobre o sonho de ser deputado foi corroborado por uma
cunhada de Adélio, Maria Inês Dias Fernandes, 48 anos, em entrevista à Folha: “[Ele queria poder] trabalhar em várias cidades”, disse Maria.
O líder do PSOL em Uberaba, José Eustáquio dos Reis, foi procurado
para comentar a relação de Adélio com o partido: “O contato era muito
pouco com ele. Ele sempre estava trabalhando fora [da cidade]. A gente
só o encontrava às vezes, na rua”, afirmou, acrescentando que o agressor
de Bolsonaro participava pouco das reuniões da militância.
Protestos
O pastor Romildo Cândido contou que um dos empregos de Adélio em
Uberaba foi na antiga fábrica da Skala, uma empresa de cosméticos que
faliu nos anos 2000. “Na época, o dono deu cano em todo mundo. Fizeram
movimentação, protesto, foram para a porta do fórum. E ele que era uma
liderança, por isso foi muitas vezes ameaçado”, relembrou.
José Eustáquio dos Reis confirmou o relato do pastor de que Adélio
era “uma pessoa atuante em manifestações” e que tinha um perfil
“corajoso”: “Era um cara que falava diretamente com alguns políticos do
município. A gente sabia que ele ia à Câmara para travar debates e se
envolver em manifestações. Tinha o pensamento dele e uma forma de agir”,
destacou.
Alan José, diretor do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de
Álcool, Plásticos, Cosméticos, Fertilizantes, Químicas e Farmacêuticas
de Uberaba e Região (Stiquifar), confirmou que na época da falência da
Skala vários protestos foram realizados em favor dos direitos dos
trabalhadores prejudicados, mas afirmou que não lembrava de Adélio.
“Tivemos uma negociação muito difícil. A empresa [Skala] quebrou
literalmente. Fizeram um acordo judicial, e os trabalhadores receberam
75% do que era devido”, esclareceu.
Lobo Solitário
Até agora, com poucos detalhes descobertos sobre o plano de ação na
tentativa de matar Jair Bolsonaro, a principal linha de investigação da
Polícia Federal é que Adélio agiu sozinho, motivado pela discordância de
posicionamento político em relação candidato.
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