O número de autuações do ano passado já representava redução de 40%
em relação ao primeiro semestre de 2018. Ou seja, é a segunda queda para
igual período no governo Jair Bolsonaro.
Os dados constam de
consulta pública de autuações ambientais disponíveis online. Fontes
ouvidas pela reportagem alertaram que os dados poderiam estar
incompletos (por problemas nos servidores do Ministério do Meio Ambiente
que também afetaram os registros de multas), mas o Ibama, questionado,
indicou que os embargos estavam disponíveis online.
A "Folha de
S.Paulo" insistiu tanto com o ministério quanto o Ibama quanto à
completude dos dados mas não obteve respostas, mesmo após seis
tentativas de contato por email, mensagens de Whatsapp e pelo menos
quatro ligações, a partir do dia 25 de junho.
De acordo com os
procedimentos adotados pelo órgão, quando um proprietário desmata
ilegalmente uma área ou comete alguma outra violação, o fiscal lavra um
auto de infração, indica a irregularidade cometida e, se houver previsão
legal, aponta sanções, entre elas o embargo – medida mais extremada.
A
lista de propriedades autuadas com termos de embargo do Ibama é
consultada, por exemplo, por empresas no momento de definir se compram
ou não um produto de determinado fornecedor.
Os registros ajudam
a coibir práticas ilegais, como o desmatamento. Sem comprador, o
proprietário de uma fazenda, para garantir a venda de um produto,
hesitaria assim em cometer irregularidades.
Desmonte
O
termo também pode impedir a contratação de financiamento bancário. O
Ibama divulga os dados do imóvel, da área embargada e do proprietário em
lista que é consultada por instituições financeiras.
"Na
prática, os embargos têm mais impacto para o controle das infrações
ambientais do que as multas", afirma Suely Araújo, especialista sênior
em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
"Ao restringir o crédito, os embargos ganham poder dissuasório contra o
crime ambiental", disse.
Para Elizabeth Eriko Uema,
secretária-executiva da Associação Nacional dos Servidores do Meio
Ambiente (Ascema), a queda no número de termos lavrados reflete o
desmonte implementado pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente).
"Estamos
perto de um apagão ambiental. É uma briga diária com o governo para
tentar conter o desmonte da política ambiental, (para tentar conter) os
ataques à legislação ambiental", afirma.
Segundo Uema, a queda
no número de termos lavrados no primeiro semestre não pode ser atribuída
integralmente à pandemia do novo coronavírus. O decreto das atividades
essenciais foi publicado no fim de março, com efeito prático a partir de
abril. "No primeiro semestre, a gente já denunciava a queda das
operações do Ibama. Grupos de fiscais não podiam ir a campo", diz Uema.
"Há
toda uma pressão para que os fiscais não apliquem multas, há toda uma
lei de mordaça, para que não se fale. Cada vez mais as pressões para a
não atuação do Ibama tem se intensificado de uma forma rápida", afirma.
Essa
pressão foi relatada pelo ex-coordenador-geral de Fiscalização
Ambiental do Ibama Renê Luiz de Oliveira em depoimento ao Ministério
Público Federal (MPF).
Ele e seu colega Hugo Ferreira foram
exonerados do órgão em abril após uma megaoperação para fechar garimpos
ilegais e proteger aldeias indígenas no Pará.
Oliveira afirmou
que declarações de autoridades criaram uma "força antagônica" que
provocou medo de retaliações e insatisfação entre os servidores do
Ibama.
Bolsonaro é um dos críticos ao órgão ambiental e ao que
considera "indústria da multa" do Ibama – ele foi multado pelo órgão por
pesca irregular em 2012. Salles endossou as declarações do presidente,
assim como outros membros do governo.
Não são somente os
embargos que sofreram redução sob Bolsonaro e Salles. Em 2019, foi
registrado o menor número de infrações ambientais aplicadas em 24 anos,
como mostrou a Folha em reportagem de março. Ao mesmo tempo, o
desmatamento no ano crescia, ao ponto de bater o recorde da década, com
mais de 10.000 km² destruídos.
As quedas em medidas punitivas
ocorre em meio a uma crise na gestão do Ibama que culminou na troca do
dirigentes da fiscalização.
Inpe
Em abril, Olivaldi Azevedo, diretor de Proteção Ambiental, foi exonerado em decorrência da mesma operação contra garimpeiros.
Em junho, o desmatamento na Amazônia teve o 14º mês seguido de alta e
atingiu o maior patamar desde 2016, segundo dados do Deter, programa do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Por causa do
que considera uma desestruturação da política ambiental, o MPF entrou,
na segunda-feira (6), com uma ação de improbidade administrativa contra
Salles. Foi pedido à Justiça Federal o afastamento do ministro.
Paralelamente, um grupo de congressistas pressiona para que Salles seja substituído na pasta.
Na
sexta-feira (10), o deputado Elias Vaz (PSB-GO) solicitou uma audiência
com o procurador-geral da República, Augusto Aras, para apresentar
dados que mostram a queda do número de embargos e multas na gestão de
Salles.
"Ele (Salles) coloca em andamento a desconstrução do
instrumento de controle da gestão ambiental. A cada mês que ele passa à
frente do ministério, o prejuízo fica muito claro", afirma Vaz.
"Salles
está no ministério para implementar uma política contra o meio ambiente
e tem prejudicado a imagem do agronegócio brasileiro no mundo", disse.
Outro
foco de críticas dentro do Ibama é a operação de Garantia da Lei e da
Ordem (GLO) decretada em maio na Amazônia – a medida foi prorrogada até
novembro pelo governo nesta sexta (10).
Segundo funcionários do
Ibama, em vez de melhorar a fiscalização, a GLO tem poucos resultados
práticos. Isso porque os militares passaram a coordenar os trabalhos de
fiscalização da Amazônia, mas desconsideram o planejamento do órgão
ambiental.
"O Exército monta uma grande operação na Amazônia, mas
não ouve os órgãos ambientais, que sabem onde os crimes estão
ocorrendo", diz Uema. "O Exército entende de todas as outras coisas, mas
de meio ambiente, não", disse.
OTEMPO