"A igreja pode colaborar com a transformação da nação." Com essas
palavras, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu em entrevista exclusiva à DW o papel social das igrejas evangélicas no Brasil.
"Temos falta de casas de abrigo para mulheres vítimas de violência. Por
que essas igrejas não fazem uma parceria conosco, cedendo o seu espaço
físico para abrigar essas mulheres?", questionou, ao também sugerir que
as igrejas podem colaborar para a interiorização dos venezuelanos que
buscam refúgio no Brasil. "Se cada igreja trouxesse um
venezuelano e cuidasse, nós resolveríamos o problema da fronteira",
disse a ministra, que é pastora evangélica.
Damares Alves concedeu entrevista à DW nesta quinta-feira (27/02), no escritório da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, onde participou da sessão de alto nível da Comissão de Direitos Humanos da ONU.
A ministra teve ainda um encontro com a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que incluiu o Brasil na lista de países onde há preocupações sobre direitos humanos. Bachelet disse
que se proliferam no país "ataques e até assassinatos de defensores dos
direitos humanos, entre estes, muitos líderes indígenas". "Também há um
aumento das requisições das terras de indígenas e afrodescendentes,
além de esforços para deslegitimar o trabalho da sociedade civil e seus
movimentos", afirmou.
ONGs de direitos humanos, como a Human Rights Watch, avaliam que o primeiro ano do governo Bolsonaro foi
desastroso para os direitos humanos e afirmam que o presidente
incentiva a polícia a executar suspeitos. O excludente de ilicitude, que
o presidente e o seu governo defendem, é uma licença para matar, afirma
a ONG.
Na entrevista à DW, Damares argumentou que os direitos humanos "nunca foram tão debatidos no Brasil"
e questionou a natureza das denúncias contra o governo: "Se você
observar, quem está fazendo essas denúncias genéricas é a esquerda. Eu
acho que só pelo fato de ser a esquerda que está denunciando, já
poderíamos desconfiar que tem alguma coisa errada."
Ela também defendeu o projeto de lei do presidente Jair Bolsonaro para permitir a mineração em terras indígenas. "O presidente Bolsonaro não
vai sair com uma pá nas costas e um balde e dizer 'eu vou garimpar'. Se
o Congresso decidir que haverá mineração legal em áreas indígenas, ela
vai acontecer e vai ter critérios, parâmetros e regramento. O garimpo
ilegal no Brasil acabou", afirmou.
A ministra também confirmou que os trabalhos da Comissão Especial sobre
Mortos e Desaparecidos Políticos devem ser encerrados ainda no primeiro
semestre deste ano. "Nós temos pressa em dar resposta à sociedade",
disse.
Quando questionada sobre a campanha lançada por seu ministério de
prevenção à gravidez na adolescência, que não menciona o uso de
camisinha ou de qualquer método contraceptivo e promove a "reflexão"
sobre os efeitos de uma gestação precoce, a ministra afirmou: "Eu teria
que ir para a cadeia ou para um hospício se eu dissesse que vou combater
a gravidez precoce apenas com a abstinência."
DW Brasil: Mais de 30 denúncias de violações de direitos humanos
já foram apresentadas perante à ONU contra o governo do presidente Jair
Bolsonaro. Principalmente no exterior, há um entendimento de que o
Brasil passa por um momento de profundos retrocessos em matéria de
direitos humanos. A senhora concorda?
Damares Alves: De jeito nenhum. As denúncias
apresentadas são genéricas, não apresentam fatos. Nós gostaríamos de
conhecer os fatos, mas eles não aparecem. O que nós estamos vendo é o
seguinte: é um grupo muito incomodado porque não está no poder. Isso
está muito claro. O presidente Bolsonaro foi eleito de forma legítima,
com a maioria do eleitorado. Ele veio com uma nova proposta, que é a
universalização dos direitos. Então, há um grande incômodo.
Se você observar, quem está fazendo essas denúncias genéricas é a
esquerda. Eu acho que só pelo fato de ser a esquerda que está
denunciando, já poderíamos desconfiar que tem alguma coisa errada. Você
não vê nenhuma instituição de direita denunciando que o presidente está
violando direitos.
Os direitos humanos nunca foram tão debatidos no Brasil como hoje.
Segundo pesquisas, quais são os ministérios mais amados pela população e
mais falados hoje no Brasil? São o Ministério da Justiça, com o
ministro Sergio Moro, e o Ministério dos Direitos Humanos. No passado, o
Brasil não lembrava nem do nome do ministro dos Direitos Humanos. Hoje,
o Ministério dos Direitos Humanos está no coração do povo, está todo
mundo falando em garantias de direitos. Nunca se fez uma discussão com a
sociedade sobre direitos humanos como hoje. Isso é mérito do presidente
Bolsonaro, é mérito desse governo que está aí.
Em seu discurso na ONU, a senhora destacou as políticas públicas
de Bolsonaro para a Amazônia. Eu conversei no ano passado com a
relatora da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria
Tauli-Corpuz, e ela classificou as políticas do governo atual como
racistas e discriminatórias. O que a senhora acha do recente projeto de
lei que permite garimpos em terras indígenas e da determinação do
presidente de não demarcar nenhum centímetro a mais de terras indígenas?
Ela teve tempo de ver tudo o que está sendo feito para os índios no
Brasil? Eu contesto a fala dela. Ela esteve em quantas aldeias no
Brasil? Nós temos 305 povos indígenas. Para ela ter esse relatório, ela
tinha que ter ouvido pelo menos 170 povos. Eu duvido que ela tenha tido
tempo. É ir às aldeias e conversar com os índios.
Qual é a sensação que os índios estão tendo hoje? A pauta indigenista é
transversal no Brasil. Todos os ministérios estão lidando com o tema
indígena. Nós temos no Brasil hoje um vice-presidente [Hamilton Mourão]
de origem indígena. Nós temos uma Secretaria Nacional Indígena. Nós
temos uma ministra que vem do indigenismo, mãe de uma menina indígena.
Nunca uma índia ocupou um cargo de alto escalão no governo brasileiro
como hoje [a secretária de Saúde Indígena, Silvia Nobre Waiãpi]. Os
índios estão em diversos cargos-chave nas regionais da Funai e da Sesai
[Secretaria Especial de Saúde Indígena]. O índio está ascendendo e
chegando ao topo de um governo.
De que forma essa política é discriminatória? O que está acontecendo é
novamente ONGs que estavam no poder descontentes, prestando relatórios.
Eu queria muito que a relatora estivesse comigo. Eu queria muito que a
relatora fosse comigo a, no mínimo, cem aldeias para conversar
diretamente com a população indígena. Qual era a política indigenista no
Brasil no passado? Apenas demarcar terras e abandonar o índio na terra.
Isso sim é política discriminatória. O presidente vai gastar tempo
protegendo as áreas que já existem e os nossos índios que estão lá.
Mas a presença de garimpos em terras indígenas não implica violações de direitos humanos?
Os governos passados foram covardes em não combater o garimpo ilegal. O
presidente Bolsonaro está tendo a coragem de combater o garimpo ilegal.
De que forma? Os índios querem minerar? É possível a gente minerar? O
Congresso Nacional vai liberar? O presidente Bolsonaro não vai sair com
uma pá nas costas e um balde e dizer "eu vou garimpar". Ele está levando
o assunto para que o Congresso decida. Se o Congresso decidir que
haverá mineração legal em áreas indígenas, ela vai acontecer e vai ter
critérios, parâmetros e regramento. Ninguém vai chegar a uma aldeia com
um trator, tirar o índio e começar a catar minério, ouro e diamante. Não
é assim.
Que uma coisa fique clara: nós temos um presidente responsável, que tem
compromisso com a vida do índio. Então, assim, pelo amor de Deus. Está
todo mundo achando que a partir de amanhã todo mundo vai estar com uma
pá dentro de uma aldeia. Não. O assunto começa a ser debatido de forma
madura, sem medo, sem covardia, porque nós vamos tirar da terra indígena
o garimpo ilegal que está lá. Ou vão dizer que não tem garimpo ilegal,
que não tem gente dentro de aldeia estuprando meninas? Nós vamos
combater os bandidos que, por anos, se perpetuaram em áreas indígenas no
Brasil e ficaram ricos. Acabou. O garimpo ilegal no Brasil acabou. A
palavra de ordem é: já era para vocês.
A senhora diz que, no governo Bolsonaro, a sua pasta é
responsável pela agenda de valores. O seu ministério está elaborando uma
política pública para estimular a abstinência sexual na adolescência,
que seria a forma mais eficaz para evitar a gravidez precoce. Os métodos
contraceptivos e a educação sexual ainda serão estimulados ou o foco na
conduta moral vai prevalecer?
Eu teria que ir para a cadeia ou para um hospício se eu dissesse que
vou combater a gravidez precoce apenas com a abstinência. Os métodos
anteriores continuarão, vamos continuar falando de camisinha, de
preservativo e de pílula. Só que nós vamos trazer para essa abordagem
também o retardar do início da relação sexual no Brasil. Não vamos dizer
que está proibido o sexo. Nós vamos conversar com o adolescente e,
quando falo de adolescente, me permita: nós vamos conversar é com a
criança. O nosso foco é abaixo dos 14 anos. Entre 15 e 19 anos, a
gravidez precoce tem diminuído, mas abaixo de 14 não tem tido sucesso ou
diminuição.
Então, o que estava posto parece que não estava dando muito certo.
Vamos pegar o que já está posto e acrescentar uma conversa e um diálogo
com a criança sobre "vamos esperar um pouquinho?". A idade média do
início da relação sexual no Brasil está em 12 anos para o menino e 13
para a menina.
É muito cedo. Por que nós estamos preocupados com isso?
Porque uma menina de 13 anos não está madura fisiologicamente e não tem
maturidade emocional para começar tão cedo o início da vida sexual. Nós
estamos trabalhando em retardar essa idade. Nós não vamos estipular uma
idade ideal. Nós vamos conversar com esse menino e com essa menina.
Apesar de dizer que a população LGBTI é o segmento que a senhora
mais ama, a senhora critica com muita veemência qualquer desenho ou
material escolar que se refira a famílias homossexuais e diz que "o cão
está muito bem articulado" para influenciar as crianças. A senhora dá um
cunho muito negativo ao fato de uma criança poder se identificar como
homossexual. Como explica essa contradição?
Essa frase foi tirada de uma palestra em que eu critico a ideologia de
gênero. Eu sou contra essa ideologia que chegou forte ao Brasil - e eu
liderei movimentos de resistência - dizendo, por exemplo, que meninas
não podiam mais vestir cor de rosa no Brasil, porque menina e menino
tinham que ser neutros. Tanto que tem uma frase famosa minha em que eu
digo que agora meninas podem vestir rosa e meninos podem vestir azul. É
uma teoria que chega ao Brasil dizendo que não pode mais ter bonecas e
brinquedos de menino. Havia um patrulhamento ideológico absurdo. A
ideologia de gênero, infelizmente, usou o movimento gay e a
homossexualidade para impor a sua pauta no Brasil.
Essa ideologia que
parecia proteger os homossexuais, na verdade, traiu os homossexuais,
usando esses movimentos para dizer que ninguém nasce homem, ninguém
nasce mulher, gay ou lésbica, mas se torna tudo isso. É uma ideologia
que fez muito mal a todos os movimentos no Brasil. Essa ideologia é do
cão e vem para desconstruir tudo o que está posto e não apresenta nada
no lugar. E o movimento gay concorda comigo, com certeza.
Como a senhora pretende combater a violência contra o público LGBTI?
O governo Bolsonaro tomou a decisão de buscar os invisibilizados. E,
nessa busca, nós fomos para regiões ribeirinhas para ver como é que
estão os LGBTI lá na floresta, nas aldeias. Você já viu algum índio gay,
alguma índia lésbica se autodeclarando? As bandeiras LGBTI já estão
consagradas nos grandes centros urbanos. Nós não vamos baixar a guarda,
vamos continuar fortalecendo, mas o nosso grande alvo é a comunidade
tradicional, os povos ribeirinhos. Eu me assustei. Eles estavam
esquecidos e abandonados pelas políticas públicas. É notório que o que
acontece com as travestis é a violência na rua. A gente observa que
muitas delas estão na rua por falta de opção, porque não encontram
empregos. Vamos reforçar a capacitação e a empregabilidade das
travestis. Nós estamos lançando o selo Empresas e Direitos Humanos. A
empregabilidade trans faz parte do critério para receber o selo. Também
estamos preocupados com a população LGBTI no cárcere. A pauta LGBTI
continua forte no nosso ministério e está mais fortalecida do que no
passado.
Nas suas pregações, a senhora diz que este é o momento de a
igreja ocupar a nação. A senhora tem contribuído para isso à frente do
ministério?
É o momento de a igreja ocupar a nação, sim. A igreja [igrejas
evangélicas pentecostais] tem um excelente trabalho social e pode ajudar
muito mais o Brasil. É a igreja colaborar com a transformação da nação.
Eu tenho um déficit no meu ministério, que é a falta de casas de abrigo
para mulheres vítimas de violência. Os Estados não têm, os municípios
não têm. Mas muitas igrejas têm um monte de salas fechadas que só abrem
no domingo para meia hora de aula. Por que essa igreja não faz uma
parceira conosco cedendo o seu espaço físico para abrigar mulheres
vítimas de violência? A igreja também pode nos ajudar com a
interiorização dos venezuelanos. As igrejas evangélicas podem vir
conosco. Nós temos uma grande denominação no Brasil, que é a igreja
Assembleia de Deus, que tem mais de 40 mil templos. Se cada igreja
trouxesse um venezuelano e cuidasse, nós resolveríamos o problema da
fronteira.
O papel da senhora como ministra num Estado laico, em algum momento, já lhe fez entrar em conflito com a sua fé?
Em momento nenhum. Quem está ali é uma gestora ativista de direitos
humanos que chegou a ser ministra por causa da sua história na defesa
dos direitos humanos no Brasil. Não tem nenhum ato meu como ministra que
tenha algum ingrediente religioso. Mas a minha fé me impulsiona a ser
uma ministra cada vez melhor. Eu aprendi com a minha fé a amar o próximo
como a si mesmo, dar a vida pelo próximo. E é o que eu tenho feito
todos os dias.
Em uma entrevista que fiz com o presidente da Comissão Especial sobre
Mortos e Desaparecidos Políticos, Marco Vinicius Pereira de Carvalho,
ele disse que pretende encerrar os trabalhos até o fim deste primeiro
semestre. Em questão estão os prazos previstos em lei para lavraturas de
assentos de óbito, que já passaram. Marco Vinicius chegou a falar que
não dá para ficar batendo na mesma tecla. No entanto, as recomendações
da Comissão Nacional da Verdade, assim como da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, são claras ao dizer que a busca por desaparecidos não
deve parar, enquanto todas as famílias não tiverem uma resposta. Como a
senhora vai garantir esse direito se a comissão for de fato encerrada?
Do jeito que está não pode ficar. As ossadas do Vale de Perus estão no
nosso ministério há 29 anos. E até hoje não se terminou a análise
daquelas ossadas. É injusto com as famílias. Nós precisamos dar uma
resposta às famílias e à sociedade. A história nos cobra isso. Nós temos
pressa em dar resposta à sociedade. Nós vamos trabalhar tanto, tanto
para que essas respostas sejam entregues em seis meses.
No caso do
Araguaia, a terra é ácida e vai ser difícil localizar essas ossadas. Por
quanto tempo mais a gente vai prolongar essa dor? A lei é muito clara: A
Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos é provisória. Nós vamos
dar continuidade ao trabalho até o instante em que a gente puder ir. Mas
eu acredito que se a gente trabalhar muito a gente consegue resolver
toda a questão das ossadas de Perus em menos de seis meses e dá para a
gente dar fim a esse trabalho da Comissão de Mortos Desaparecidos. A
Comissão vai continuar como uma comissão de desaparecidos no Brasil.
Esse foi um tema negligenciado no Brasil. Quantas pessoas desaparecem
por ano no Brasil? Nós vamos fazer campanhas para que crianças não
desapareçam. O regime militar é uma coisa do passado e nós temos uma lei
de anistia no Brasil. A palavra anistia é muito clara: é esquecimento. É
não cometer os mesmos erros do passado.
E os casos de desaparecidos políticos poderiam ser contemplados nessa comissão?
Poderão, caso alguém aponte a localização do corpo, e aí vamos lá para
fazer a análise. As famílias de desaparecidos podem ainda acionar o
Judiciário, mas eu preciso cumprir a lei, e a comissão tinha um prazo,
que já passou.
terra