Uma "nova gasolina"
está prestes a chegar aos consumidores brasileiros. A partir de agosto,
as refinarias nacionais e os combustíveis que chegarão por importação
ao Brasil deverão respeitar novos padrões de qualidade da ANP (Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Mas, afinal, o que
muda cientificamente nesta gasolina?
A "nova gasolina" tem
alterações físico-químicas que tendem a deixar o combustível vendido por
aqui mais próximo ao que é comercializado na Europa e Estados Unidos,
segundo especialistas apontaram para Tilt. Ele tende a ficar mais eficiente principalmente em carros mais modernos.
A maioria do combustível feito no Brasil já segue algumas dessas
especificações, mas agora isso será obrigatório e padronizado a partir
do dia 3 de agosto, com prazo adicional de 60 dias para refinarias e de
90 dias para postos "queimarem" o estoque do combustível antigo. A
resolução 807/2020 foi feita em janeiro, após discussões que se
arrastavam desde 2017.
Abaixo, entenda cientificamente as três principais mudanças que sua gasolina sofrerá a partir de agosto:
Octanagem
O índice faz referência ao nível que a gasolina pode resistir à pressão do motor sem sofrer combustão espontânea.
Existem dois tipos:
- A
MON (número do octano do motor, na tradução literal), que avalia a
resistência da gasolina à detonação (combustão da ignição do carro)
quando o motor está em plena carga e em alta rotação;
- A RON (número do octano de pesquisa), que é a resistência do combustível quando o motor está carregado e em baixa rotação.
Como era?
No
Brasil, só era especificado a MON e o IAD (Índice Antidetonante), que
era a média entre o MON e o RON. Estima-se que a gasolina comum no
Brasil tinha RON de 91 com IAD 87 —na Europa, o RON é em média de 95,
podendo chegar a níveis altos como 98.
Como será agora?
A
partir de 3 de agosto, a gasolina comum vendida no país deverá ter um
valor mínimo de 92 para o RON. Já em janeiro de 2022 o valor mínimo da
octanagem RON deverá ser de 93. A Petrobras afirmou a Tilt que seu combustível já terá o valor de 93 para a octanagem RON em agosto.
Por que isso importa?
Essa
mudança afetará principalmente os veículos mais modernos, que tinham
uma nova construção de motor e sofriam mais com a gasolina antiga.
"A
característica de RON aparece muito em motores mais modernos. A
tecnologia e a eletrônica mais avançada diminuem o peso do motor
mantendo a mesma potência. Eles exigem mais o RON, que não era
monitorado no Brasil. Foi feita até uma carta da indústria automotiva
para a ANP mudar isso", explica ao Tilt Rogério Gonçalves, especialista em combustíveis da Petrobras.
Carros
mais modernos, de alguns anos para cá, passaram a apresentar consumo
elevado de gasolina, o que gerou reclamações de consumidores. O RON
muito baixo poderia até levar a quebras de motores em casos mais
drásticos por gerar combustão espontânea.
Com o RON maior, a
gasolina brasileira também se aproxima a de países como Estados Unidos e
Europa, onde estão os principais centros das montadoras. Como os carros
costumam ser pensados e montados nesses locais, eles poderiam chegar ao
Brasil com dificuldades de se adaptar ao padrão nacional.
"Veículos
com taxa de compressão muito alta precisam de combustível com alta
octanagem. Senão ocorre um fenômeno de pré-ignição e faz um barulho que
no popular chamamos de 'batida de pino'. Normalmente a industria briga
por qualquer décimo da octanagem", aponta Gonçalves.
Massa específica
Também
conhecida como densidade, a massa específica depende do refino do
petróleo e é importante para delimitar a potência da gasolina.
Como era?
O
Brasil não determinava parâmetros ou limites. Estima-se que a gasolina
comum brasileira variava entre 700 kg/m3 e 740 kg/m3, sendo que a maior
parte da gasolina importada figurava na faixa menor.
Como será agora?
A gasolina comum e a premium deverão ter massa específica mínima de 715 kg/m3.
Por que isso importa?
A mudança pode servir para dar mais energia para a gasolina nos carros que circulam por aqui.
"Com
a mesma quantidade de volume, digamos um litro, quanto menor a
densidade menos energia eu tenho. Vou colocar um litro no carro e aquela
gasolina com baixa densidade pode fazer menos quilômetros por litro",
afirma Everton Lopes, mentor de tecnologia e inovação para a área de
Energia a Combustão da SAE (Sociedade de Engenheiros da Mobilidade)
Brasil.
Essa mudança é um dos fatores que pode fazer a gasolina
render mais nos carros. É esperado um rendimento cerca de 5% maior por
litro —ao mesmo tempo, o preço também irá aumentar. O estabelecimento de
um limite mínimo garante uma quantidade mínima de conteúdo energético
na gasolina.
Temperatura de destilação a 50%
É um dos
parâmetros utilizados no processo de destilação da gasolina. Chamada de
"50% dos evaporados", é o momento em que tem a evaporação de 50% da
massa.
Como era?
Antes não havia limites mínimos próprios para isso. Havia apenas o limite máximo de 120º C da gasolina tipo A e 80º C da tipo C.
Como será agora?
A T50, como é chamado o índice, para a gasolina comum será de 77º C.
Por que isso importa?
Segundo
a ANP, esses parâmetros de destilação afetam a potência e o desempenho
do motor, além da própria dirigibilidade do carro. Segundo
especialistas, quanto mais fácil você vaporiza, melhor o desempenho do
motor em diversos cenários.
"Melhora a curva de aquecimento do
motor pela manhã quando dá partida no carro, tem uma resposta melhor do
motor em troca de marcha, ou em aceleração ao sair de uma lombada",
exemplifica Lopes.
Impactos das mudanças
O Brasil tem,
segundo dados da ANP, elevado o nível de importação de gasolina —passou
de 3,2 milhões de barris em 2010 para 30,3 milhões em 2019. Em 2018, 19%
da gasolina comercializada por aqui era importada. Isso gera uma "zona"
de padrões que poderia ser prejudicial para carros.
"A gasolina
brasileira estava mais ou menos nesse nível, mas quando importava
existia o risco de ser diferente. Agora o lote comprado vai ser comprado
dentro dessa especificação. Com isso a gente consegue separar muito bem
um produto bom de um produto ruim", opina Lopes.
A Petrobras diz
que a produção da nova gasolina não é um problema, já que as refinarias
são bem adaptáveis aos novos padrões. Ao mesmo tempo, já foi anunciado
que o combustível ficará mais caro no Brasil por causa disso.
"Essa
nova formulação da gasolina permite uma redução de 4% a 6% do consumo
do combustível nos motores. Esse ganho de rendimento compensa a
diferença de preço da gasolina, porque o consumidor vai rodar mais
quilômetros por litro. Apesar de esta gasolina ter um custo de produção
maior, não é isso que determina o preço final", aponta a Petrobras em
nota, citando também cotação do mercado e outras variáveis como valor do
barril do petróleo, frete e câmbio.
A gasolina também não irá
mudar do dia para a noite a partir de 3 de agosto. Parte das mudanças já
está ocorrendo nos últimos meses. Outras particularidades da gasolina
nacional não mudarão, como a porcentagem de etanol misturado, que foi
mantido em 27% para as gasolinas comum e aditivada e em 25% para a
gasolina premium.
UOL