BRASÍLIA - O governo
Jair Bolsonaro
pretende criar duas categorias de cargos e gratificações dentro do
Poder Executivo a serem ocupados exclusivamente por militares, com
remunerações maiores que os valores atuais. Oficiais que hoje recebem
até R$ 1.734,92 para exercer cargo de confiança na administração podem
passar a receber até R$ 6.991,73, mais de seis vezes o salário mínimo
(R$ 1.045), de acordo com minuta de Medida Provisória à qual o
Estadão/Broadcast teve acesso.
Os
praças, militares de patente mais baixa que têm reclamado do tratamento
mais favorável dado pelo governo aos oficiais, também terão lugar
cativo no Executivo e poderão receber gratificações de até R$ 2.591,46, o
equivalente a dois salários mínimos e meio.
Os valores, segundo outro documento obtido pelo Estadão/Broadcast, foram questionados internamente pelo Ministério da Economia, que viu “aumento significativo” nas remunerações.
Após
editada, uma Medida Provisória tem vigência imediata, mas precisa ser
aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias. Segundo apurou a
reportagem, o texto está na Casa Civil – comandada pelo general da
reserva Walter Braga Netto – e foi colocado entre as prioridades de análise do órgão.
Na área econômica, a avaliação é que o calendário político “não está favorável” a uma proposta como essa. O Ministério da Defesa, por sua vez, informou que o “estudo”, iniciado antes da pandemia da covid-19,
“não deve avançar” devido à limitação a aumentos de despesa com pessoal
imposta até o fim de 2021 pela Lei Complementar 173, que selou o
socorro financeiro a Estados e municípios e fixou a mesma proibição para
os governos regionais.
Técnicos do governo, porém, veem espaço
para a edição da MP porque, segundo uma fonte que participa das
discussões, a reorganização não resultará em aumento líquido de despesa.
O próprio Ministério da Economia reconheceu, em resposta à reportagem,
que a lei permite, em tese, reestruturar cargos desde que não haja alta
nos gastos.
Mais vantagens
Além da
reserva de vagas dentro do Executivo, a proposta prevê que os militares
poderão acumular a remuneração integral dos cargos e funções com aquela
recebida pelo posto ocupado na hierarquia militar. Eles poderão receber
100% de ambas, enquanto servidores indicados para cargos civis terão de
escolher entre possibilidades menos vantajosas – uma delas é receber o
salário do cargo efetivo de origem mais 60% da remuneração comissionada.
O texto também permite que militares continuem sendo designados para cargos e funções destinadas a civis. Relatório
do Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou que a quantidade de
militares da ativa e da reserva em postos civis mais que dobrou no
governo Bolsonaro e passou de 2.765 em 2018 para 6.157 em 2020. No mesmo período, o número de militares que ocupam cargos comissionados cresceu de 1.934 para 2.643.
Além
da maior participação no governo, os militares foram a categoria mais
recente contemplada com reajustes de soldos e gratificações, aprovados
na reestruturação da carreira vigente desde o fim de 2019. Enquanto
isso, a maior parte dos servidores civis está com salários congelados há
quase três anos.
Reorganização de cargos comissionados
A
criação dos cargos exclusivos para militares foi inserida dentro de uma
proposta de reorganização dos cargos comissionados, funções
gratificadas e gratificações do Poder Executivo. Desde a transição de
governo, a equipe econômica trabalha numa simplificação dessas
classificações, que somam 34 tipos diferentes e engessam a gestão do
quadro de pessoal.
A proposta é criar quatro tipos de cargos e funções: Cargo Comissionado Executivo (CCE), Função Comissionada Executiva (FCE), Cargo Comissionado Militar (CCM) e Gratificação de Militares Fora da Força (GMFF).
Os CCEs devem cumprir o mesmo papel dos atuais DAS,
cargos de direção e assessoramento dentro da administração, além de
outros cargos de chefia em agências reguladoras, por exemplo. Dos 17
níveis propostos, os 13 maiores podem ser ocupados por pessoas de fora
do funcionalismo. Os valores vão de R$ 330,79 a R$ 17.432,15, sendo que a
maior remuneração é exclusiva dos cargos de natureza especial e chefes
de agências reguladoras (cuja gratificação já está hoje na casa dos R$
17 mil).
AS FCEs, por sua vez, seriam semelhantes às atuais
funções gratificadas, que precisam ser ocupadas por servidores públicos.
Os valores vão de R$ 330,79 a R$ 10.166,94.
Os Cargos
Comissionados Militares são exclusivos de militares oficiais da ativa
das Forças Armadas e das forças auxiliares (polícias militares e corpos
de bombeiros) que estejam em efetivo exercício na Presidência da
República ou no Ministério da Defesa. Serão cinco níveis, com
remunerações de R$ 2.701,46 a R$ 6.991,73.
Já as gratificações
militares são destinadas aos praças, também nos casos em que eles
estejam exercendo funções na Presidência ou no Ministério da Defesa. São
cinco níveis, com valores de R$ 999,54 a R$ 2.591,46.
Hoje os
militares recebem a Gratificação de Exercício de Cargo de Confiança
Devida a Militares (RMP), em cinco níveis que vão de R$ 1.184,88 a R$
1.734,92, ou a Gratificação de Representação, que tem diferentes tipos e
cujo valor máximo é de R$ 1.156,31. Apenas 90 postos para quem trabalha
no Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) recebem gratificação maior,
de R$ 2.647,43 a R$ 4.079,20.
Os militares também podem ser nomeados em cargos civis por meio dos DAS, cuja remuneração vai até R$ 16.944,90.
Procurado,
o Ministério da Economia informou que é uma “diretriz” buscar a
racionalização da gestão e alternativas para a otimização das despesas
com cargos comissionados e mobilidade de servidores. “Propostas nesse
sentido estão permanentemente em análise e desenho pela equipe técnica
do Ministério da Economia, e faz parte desse processo consultas a outros
órgãos públicos, inclusive às áreas técnicas do Ministério da Economia,
Casa Civil, e outros ministérios”, diz a nota.
A Economia
destacou ainda como premissas de “qualquer proposta de reorganização de
cargos” a manutenção da despesa, com previsão de redução gradual, a
preservação das posições e remunerações dos atuais ocupantes dos cargos
em análise e a readequação “apenas para ocupações futuras”. A pasta,
porém, não respondeu sobre a justificativa para a criação de cargos
privativos para militares.
Embora tenha dito que o estudo "não
deve avançar", o Ministério da Defesa informou que as negociações
estavam inseridas “dentro de um contexto de redução de tipificações de
cargos que está sendo conduzida pelo Ministério da Economia, tanto para
civis quanto para militares, e busca também a isonomia entre as
remunerações”. A Casa Civil não respondeu até a publicação deste texto.
Gabinete de Segurança Institucional não apresentou cálculos, mas defendeu a necessidade de 'corrigir distorções'