Você pretende investir em carreira solo ou vai se dedicar só ao Preto no Branco?Que balanço você faz do Preto no Branco, já que você é o pioneiro do grupo?
Acho que o Alex Passos (idealizador do projeto) é o pioneiro do grupo,
já que ele pensou em juntar os caras no projeto como um todo. Eu posso
dizer que sou o remanescente, aquele que acreditou do começo ao fim,
porque eu sou brasileiro mesmo e vou até o fim. Eu me apaixono por um
projeto da forma como me apaixonei pelo Preto no Branco. Não deixo que
nada me tire o foco. A cada dia a gente tem se entregado mais, desde
compor, até se apresentar ou ir para uma agenda. A gente está fazendo o
dever de casa para fazer da melhor maneira possível.
Como nasceu a canção Ninguém Explica Deus?
Eu nasci em uma igreja evangélica, mas tive uma crise espiritual muito
forte e resolvi fazer umas perguntas para Deus. Às vezes, a gente se
posiciona muito na relação de Deus como o Senhor e nós, os servos. Mas,
muitas vezes a gente abre mão de ser filho e um filho que questiona o
pai. Questionar, tentar descobrir uma forma de fazer com que seu cérebro
funcione na intenção de dialogar. Não é pecado questionar e faz parte
dos diálogos fazer essas perguntas. Eu comecei a me questionar sobre
muita coisa na Bíblia, coisas que eu não entendia e que até hoje,
confesso que não entendo, mas nossa fé faz com que a gente obedeça
àquilo que não entendemos. Mas isso não quer dizer que eu não possa
questionar. Enquanto eu sigo sem algumas respostas, vou dizendo que
ninguém explica Deus. Essa música nasceu nesse momento em que eu
precisava declarar isso. Ninguém explica Deus e eu não vou ficar aqui me
martirizando. Eu vou caminhar por fé, certo de que Ele já me deu o
melhor, que foi o Seu Filho. De resto, a gente precisa aprender a amar,
se entregar e obedecer.
A música foi lançada em 2015, mas foi a mais tocada nas
rádios no ano passado. Como é ver uma música ainda repercutindo e
conseguir ultrapassar o campo da igreja e pegar o pessoal do secular?
É assustador o fenômeno que é a internet hoje. A gente faz parte de uma
geração que está se renovando o tempo todo. Hoje está se ouvindo uma
coisa e amanhã já não está mais. Passa muito rápido! Fazer uma música
como Ninguém Explica Deus é uma honra muito grande, porque é um recado
sobre uma fagulha da personalidade de Deus. A gente colheu um resultado
maravilhoso. Somos uma banda que nasceu na internet e acredito que isso
ajudou muito a viabilizar a mensagem. Fora a ajuda dos universitários
que a gente teve, como, por exemplo, Luan Santana e Whindersson Nunes
cantando a caminho do Prêmio Multishow. Imagina os fãs desses caras
ouvindo, indo conferir a música e replicando. Sou filho de pescador,
vindo de um lugar tão distante, tão improvável e a gente não imagina o
que pode acontecer. Mas, Deus é maravilhoso e a gente está se
surpreendendo todo dia e ao mesmo tempo agradecendo pela oportunidade de
falar e ser ouvido.
Muito se especulou sobre o fim da banda com a mudança de
gravadora e saída de integrante. Como você avalia essa fase do Preto no
Branco?
Digamos que seja uma desfragmentação. A primeira imagem que vem na minha
cabeça quando eu falo disso são os super-heróis da Marvel passando por
aquele efeito muito doido, do final do filme, quando o Thanos estala os
dedos e então um a um começa a se desfazer e virar areia. Só que o
legado do herói na história da Marvel é dos caras vencendo o mal, então,
alguma coisa vai acontecer para que eles vençam. Trazendo isso para
nossa realidade artística, a gente entende que já é programado no
coração para vencer as notícias ruins. Acredito que a gente se torna
herói para muitos que nos têm como espelho, e está torcendo para que a
gente vença as notícias ruins. Não estou falando sobre os haters, mas da
galera que fica ali torcendo. É um desafio muito grande ter vivido
isso, mas também é uma descoberta muito fantástica dentro daquilo que é o
propósito de Deus para o Preto no Branco.
Neste novo projeto, o Preto no Branco agregou vários estilos. Como foi chegar nesse som ainda mais eclético?
A nossa meta tem sido não ter bandeira nem sobre pessoas nem sobre
ritmo. O que a gente pode fazer com as pessoas e com as manifestações
que a arte tem é incalculável. Se nós queremos dar o nosso recado para o
mundo, temos que ser os primeiros a nos desarmar. Os primeiros a chamar
para o diálogo e dizer que é possível a gente ter um momento
maravilhoso aqui com a música. Estive com o Zeca Pagodinho e, como eu
posso não querer estar perto de um cara desse, cantando uma canção sobre
Deus? Ele mesmo disse que escreveu uma música sobre os dez mandamentos.
Eu quero participar disso e vincular no mais alto lugar que eu puder,
para que o cara que segue o Zeca Pagodinho entenda que ele não é só
cachaça. Quero que as pessoas entendam que o Zeca tem coisa boa que pode
ser dividida e usada para influenciar pessoas para algo muito especial e
maior do que aquilo que costumam pensar com seu preconceito.
Você acha que a igreja precisa acreditar realmente que nossa música é uma arte que pode ser usada também do lado de fora?
Com certeza. O que tenho para dizer sobre isso é que as pessoas
confundem muito adoração com música. A música não é adoração, mas
adoração é música. A música é uma ferramenta. Você pode escrever ou
cantar uma canção, derramar seu sentimento através da adoração. Mas
adoração vai muito além disso, é o resultado de uma vida, de um
comportamento. A forma como você olha para as coisas, a forma como você
abraça ou rejeita as pessoas. Isso fala se você é um adorador ou não.
Você pretende investir em carreira solo ou vai se dedicar só ao Preto no Branco?
Essa é uma pergunta muito delicada que vive rondando meu pensamento. A
sensação que tenho é que o Preto no Branco é um filho caçulinha que
acabou de nascer. Eu tenho que dar atenção para esse menino que vai
fazer quatros anos ainda. Está muito cedo para ir para o plano B ou
voltar a fazer o que eu estava fazendo antes. Eu não sinto que este seja
o momento de ir contra as coisas, mas eu tenho pensando na minha
carreira solo sim. Assim como eu gosto de falar com liberdade sobre os
assuntos que o Preto no Branco trata, eu gosto de falar da forma como eu
lido no meu jeito particular de falar de Deus.
Na nova canção – O Leão e a Igreja – o pr. Ed René Kivitz diz
que não há preconceito na Igreja. Isso é uma utopia ou estamos
realmente caminhando para quebrar esses preconceitos?
Não é uma utopia! Ele falou sobre a Igreja real de Cristo. Quando ele
começa a dizer que na Igreja não existe racismo nem homofobia, ele está
se referindo à Igreja real ou pelo menos como ela deveria ser. Apesar de
ser uma organização, uma entidade, um ajuntamento de pessoas que se
reúnem em nome de Jesus, a Igreja de Cristo é uma manifestação
espiritual. No mundo espiritual, a Igreja está posicionada do mesmo
jeito que ela se posicionou na antiguidade, na era primitiva. O que
temos que entender hoje é que precisamos acompanhar o movimento da
Igreja Primitiva. Voltar à essência e partir do ponto das palavras do
próprio Cristo sobre o amor e chamar as pessoas para perto. Isso é ser
Igreja. Se a gente pensar dessa maneira, com certeza a gente vai estar
mais perto disso que o Ed falou na ministração.
Você já sentiu o racismo na pele?
Toda hora. Não só na igreja, mas em todos os lugares. E este é um
assunto muito sério. Não é vitimismo! A gente não tem intenção nenhuma
de passar essa mensagem, mas existe o preconceito. Eu não tenho problema
com o cara que tem preconceito comigo por eu ser preto, porque eu
também tenho meus preconceitos. Se ele ficar com o preconceito dele,
quietinho, sem interferir no meu caminho, ok. Mas, se ele vem para me
atrapalhar, isso já é uma covardia muito grande. O preconceito ligado ao
poder que é dado às pessoas, dentro ou fora da igreja, é um perigo
muito grande porque é uma oportunidade que se abre para as pessoas
subjugarem as outras e aí se espalha aquele fenômeno do subjugado sempre
querer subjugar alguém.
Como você vê o atual cenário político do país?
Acredito que, por um lado, toda essa discussão tem servido para alertar
as pessoas. O Brasil não é mais o mesmo. Todo mundo tem algo a dizer
sobre a política. Muita gente não conhecia a história de políticos em
suas carreiras com deslizes gigantescos e hoje as pessoas já conhecem
isso. Hoje o povo brasileiro está mais aberto, inclusive eu acredito que
a Igreja tenha mudado o cenário um pouco por conta disso e, com isso, a
consciência política tenha brotado. Mas eu vejo discursos de alguns
políticos que não condizem com o Evangelho de Cristo, com a perspectiva
do amor. Quando vemos um político com um discurso sobre ódio, de
preconceito disfarçado, algo que soa bem déspota, a gente pode lidar com
isso fazendo campanha, ajudando e esclarecendo um amigo. Se ainda assim
nada mudar e o cara for eleito, depois de quatro anos ele vai sair.
Mas, em se tratando de um pastor que abraça o discurso político de ódio
de um outro político, um discurso que não tem nada a ver com as
Escrituras, aí a gente vai por um caminho bem difícil. Um pastor precisa
abraçar e cuidar das ovelhas. Ele foi colocado ali para isso
especificamente. A gente vê um pastor abusando do poder para ganhar
votos ou fazendo campanha arranjada para determinado político porque ele
concorda com o que ele diz. Isso é bem triste. Espero que isso mude de
alguma forma no Brasil e que a gente aprenda sobre política com as
lições que já estamos tendo daqui pra frente.
E qual sua posição sobre o governo do atual presidente?
Eu não votei no atual governo, mas como brasileiro, no dia da resposta
sobre quem havia ganhado as eleições, eu olhei para dentro de mim e me
posicionei sobre isso. Não vou falar mal, não vou difamar. O governo que
eu não acredito ganhou as eleições, então, como vou me comportar daqui
pra frente? Vou ser um músico que faz parte de uma grande orquestra. Ele
está ali tocando, mas se desafinar, vai comprometer todo o trabalho
daquela orquestra. Então, que tal eu tocar junto com essa orquestra?
Ainda que seja contra o que eu penso e que fira muitos dos meus
princípios, eu entendo que esse é o momento de todo mundo torcer para
que dê tudo certo com o atual presidente.
Nessa correria de agenda, dá tempo de ir a igreja?
Sim, com certeza. Eu particularmente sinto uma crise de abstinência
quando não vou à igreja estar em comunhão. Nasci assim, e não consigo
ficar muito tempo fora dessa realidade. Há alguns anos faço parte da
Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, do pastor Ed René. Acho
importantíssimo, mas fujo muito dessa afirmação de que a comunhão só
poder ser de um jeito. Você pode se reunir com os amigos ou sair com sua
família num dia de domingo sem peso e sem culpa, sabendo que Deus está
ali com vocês, como Igreja.
O que você gosta de fazer em casa para relaxar?
Netflix. Quando não estou vendo uma série, estou pesquisando alguma para
saber se é boa. Recentemente eu vi A História Sobre Deus, com Morgan
Freeman. É fascinante como ele aborda a questão do olhar para as crenças
e religiões e a relação de vida e morte. Breaking Bad está no topo da
minha lista. Eu indico também uma série que não está mais na Netflix,
mas sempre fui fã: Supernatural. Estou na 12ª temporada com os irmãos
caçadores de demônio. Até parece coisa de crente, né?
Além disso, o que mais gosta de fazer?
Eu amo cinema. Não consigo ficar muito tempo sem ir ao cinema,
independente da cidade. Eu paro o que estiver fazendo para ir ao cinema.
Eu gosto de observar tudo, mas tenho minhas preferências. Amo Senhor
dos Anéis, que enfim vai virar série. Gosto de tudo da Marvel e da DC. A
gente está em uma época em que as mulheres têm ganhado mais poder na
sociedade e vai surgir a Capitã Marvel para derrotar o cara que os
homens não conseguiram vencer.
Pegando esse gancho, como você vê a questão do empoderamento feminino?
Acredito que o feminismo equilibrado funcione. Não só para tornar as
mulheres mais poderosas, mas para limitar alguns homens. Tem muitos
exemplos de machismo na própria Bíblia em questões do Velho Testamento. O
caso da mulher adúltera é um clássico exemplo disso. A forma como
Abraão se relacionou com a escrava, tantas coisas que aconteceram, mas
que, na cultura, não era pecado e não feria a sociedade. Quando
observamos esse assunto pela história, a gente percebe que o feminismo
foi pensado a partir do momento em que as mulheres começaram a se sentir
desrespeitadas pelos homens. Eu me atrevo a dizer que é um movimento
que não deveria existir, mas existe porque é necessário. Não precisaria
existir se os homens fizessem o papel de cuidar das mulheres e
respeitá-las desde sempre. Além de respeitar a opinião delas e deixar
que as mulheres sejam elas mesmas sem a nossa interferência ou
imposição. Um cara que é cristão e age assim, é do Islamismo e não sabe.
Pratica as faces do Islã na forma como enxerga a mulher e acha que isso
é cristão.
Quais são os próximos projetos do Preto no Branco?
Tem um clipe que vai vir por aí. A gente faz coisas que são ousadas como
resultado de um comportamento. Nenhum artista ou banda gospel se atreve
a fazer coisas do tipo, mas todo mundo tem vontade de fazer. Os caras
não se dão ao luxo porque sabem que algumas portas vão se fechar, vão
receber represálias de algum grupo, pastor ou contratante. Mas a gente
não tem muito medo disso. A gente tem cuidado de preservar as alianças e
respeito, mas não tem medo de tratar sobre nenhum assunto. Já falamos
sobre pedofilia (Não Quero Ser Mais Eu), ateísmo e cristianismo (Ninguém
Explica Deus), a realidade do povo brasileiro politicamente (Ai Meu
Deus do Céu), crítica social, corrupção dentro da própria igreja, a
forma como líderes espirituais ganham tanta grana em cima da fé do povo
cristão. Em nenhum momento estamos falando da Igreja, mas de pessoas que
estão no meio da Igreja e se aproveitam dela. Nós somos uma família e,
se você tem um tio que faz besteira, você não vai falar sobre isso? A
gente precisa ir para o debate sobre essas coisas. Enquanto a gente
fizer vista grossa sobre esses assuntos, teremos os mesmos problemas. A
gente tem que tratar cada um deles, exatamente porque somos família.
Temos que falar sobre isso de forma respeitosa e denunciar o sistema que
está no nosso meio. Esse novo trabalho é sobre preconceito, mas não vou
dizer sobre qual tipo. Todo tipo de preconceito deveria ter sido
pregado na cruz com Jesus. Ele suportou isso para que todo esse mal
tivesse um fim. Mas, algumas pessoas continuam investindo para que
coisas assim não morram. Então, a gente precisa falar e é o que a gente
vai fazer. Pleno.News