Ao se posicionar contra um projeto de lei pelo combate ao assédio
sexual e à cultura do estupro em órgãos públicos de Santa Catarina, o
deputado estadual Jessé Lopes (PSL) disse na Assembleia Legislativa do
estado que a roupa usada pelas mulheres pode estimular o crime.
"Se
você quer andar com sainha, decote, ótimo. Se você quer chamar a
atenção de estupradores, você sabe o risco que está correndo. Se você se
deparar com essa situação, lamento", disse o deputado na terça-feira
(7), ao justificar seu voto contrário à proposta.
O projeto, da deputada Luciane Carminatti (PT), foi aprovado e prevê
divulgação com cartazes, nas repartições públicas estaduais, de
mensagens de conscientização. Além de Lopes, o deputado Bruno Souza
(PSB) votou contra.
Ontem, por telefone ao UOL, Lopes voltou a dizer que a roupa da mulher é chamariz para esse tipo de violência.
"As
mulheres que se dispõem a usar roupas assim e que têm essa liberdade
precisam ter cuidado, porque estão chamando a atenção desses
vagabundos", disse ele, antes de afirmar que sugere à esposa e à mãe que
evitem vestimentas curtas ou decotadas.
O deputado disse que
votou contra o projeto por não ver efeito em campanhas como a proposta
pelo PL, com placas e cartazes de divulgação, e por não acreditar no
conceito de cultura do estupro utilizado no texto. "Não concordo que
exista essa cultura no Brasil. Existem casos isolados", disse o
parlamentar.
Cultura do estupro, segundo a ONU (Organização das
Nações Unidas), é um termo usado para abordar as maneiras como a
sociedade culpa as vítimas de assédio sexual e normaliza o comportamento
sexual violento dos homens. Ou seja: quando, em uma sociedade, a
violência sexual é normalizada por meio da culpabilização da vítima,
isso significa que existe uma cultura do estupro.
Para o deputado
Lopes, o que reduziria o número de abusos e estupros no país seria o fim
da impunidade, o aumento do policiamento e de ações de segurança
pública e a facilitação do porte de armas, como feito pelo presidente Jair Bolsonaro nesta semana.
Segundo
dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados em
2015, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Somente no
estado de São Paulo, são registrados 32 casos de estupro e estupro de vulneráveis por dia. O Rio tem um estupro a cada duas horas e 70% das vítimas são menores de idade.
"Muita desinformação"
Colega de Lopes na Alesc, a deputada Ana Paula da Silva (PDT), a Paulinha - que foi alvo de ataques nas redes sociais por ter ido à posse, em janeiro, com um macacão vermelho decotado -, votou a favor do projeto e criticou a atitude do pesselista.
"Obviamente
que nosso colega foi infeliz. Não sei como é que uma pessoa pode pensar
desse jeito", disse a deputada, que, no entanto, creditou a fala de
Lopez à falta de conhecimento. "É claro que ele não é a favor do
estupro. Não acho que é maldade da parte dele. Mas é muita desinformação
e uma limitação ideológica, e ele não consegue avançar. É uma pena",
disse.
Ela afirmou que, ao ouvir o deputado durante a sessão, até
pensou em pedir a palavra e rebatê-lo, mas desistiu. "Não ia mudar o
processo de votação. O projeto da minha colega seria aprovado porque não
é a primeira vez que ele fala isso e, dessa vez, ninguém deu
importância."
Cultura do estupro
Para o deputado Jessé
Lopez, falar em cultura do estupro é incorreto porque faria subentender
que "todos os homens são potenciais estupradores". "Quem, em sã
consciência, cultua o estupro?", questionou ele, para quem o estuprador
não é um homem comum, e sim um psicótico.
Pensamento que, segundo a
promotora Fabíola Sucasas, assessora do Centro de Apoio Cível em
Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo, é equivocado.
Existe
a mística de que o estuprador vai saltar no terreno baldio, e
geralmente seria um homem negro, e vai atacar. Mas não, o perigo mora ao
lado. Muitas vezes é o homem trabalhador, que vai à igreja e dá
presente no natal. promotora Fabíola Sucasas
De
acordo com a nota técnica "Estupro no Brasil: uma radiografia segundo
os dados da Saúde", publicada em 2014 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada), 11,8% dos casos de estupros de crianças, por
exemplo, são cometidos por pais, 12,3 por padrastos e 32,2% por amigos
ou conhecidos das vítimas.
A promotora disse que iniciativas como a
da deputada Luciane são importantes. "Interessante louvar a iniciativa
desse PL. No meu entender, retrata um avanço na compreensão do que
significa a violência sexual contra a mulher", disse. uol