Ao
anunciar a saída do cargo, o ministro da Justiça e Segurança Pública,
Sérgio Moro, acusou nesta sexta-feira (24) o presidente Jair Bolsonaro
de tentar interferir politicamente no comando da Polícia Federal para
obter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência. “O
presidente me quer fora do cargo”, disse Moro, ao deixar claro que a
saída foi motivada por decisão de Bolsonaro.
Moro falou com a
imprensa após Bolsonaro formalizar o desligamento de Maurício Valeixo do
cargo de diretor-geral da Polícia Federal – o ministro frisou que não
assinou a exoneração do colega.
“Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, não
assinei esse decreto”, afirmou.
“O
presidente me disse que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele,
que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência, seja
diretor, superintendente, e realmente não é o papel da Polícia Federal
prestar esse tipo de informação. As investigações têm de ser
preservadas. Imagina se na Lava Jato, um ministro ou então a presidente
Dilma ou o ex-presidente (Lula) ficassem ligando para o superintendente
em Curitiba para colher informações”, disse Moro, ao comentar as
pressões de Bolsonaro para a troca no comando da PF.
“A
interferência política pode levar a relações impróprias entre o diretor
da PF e o presidente da República. Não posso concordar. Não tenho como
continuar (no ministério) sem condições de trabalho e sem preservar
autonomia da PF. O presidente me quer fora do cargo”, acrescentou o
ministro.
De acordo com Moro, Bolsonaro relatou em conversas
preocupação com o andamento de inquéritos que tramitam no Supremo
Tribunal Federal (STF). Um deles foi aberto no ano passado para apurar
ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e
seus familiares. Conforme informou o
Estado,
essa investigação sigilosa já identificou a atuação de empresários bolsonaristas contra a Corte.
Na última terça-feira,
o ministro Alexandre de Moraes abriu um outro inquérito para apurar “fatos em tese delituosos” envolvendo a organização de atos antidemocráticos, após
Bolsonaro participar de protesto em Brasília
convocado nas redes sociais com mensagens contra o STF e o Congresso.
Outra apreensão do presidente é a apuração sobre o senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ) que trata de um esquema de “rachadinha” em
seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro. O caso foi revelado pelo
Estado.
O
ex-juiz federal da Lava Jato lembrou que, em novembro de 2018, logo após
as eleições presidenciais, Jair Bolsonaro lhe disse que ele teria
“carta branca” para comandar a pasta, o que acabou não ocorrendo.
“Ele (Moro) vai abrir mão da carreira dele. É um soldado que está indo à
guerra sem medo de morrer”, disse o presidente na ocasião.
De
acordo com Moro, a partir do segundo semestre do ano passado, “passou a
haver uma insistência do presidente com a troca do comando da Polícia
Federal”.
“O presidente passou a insistir também na troca do
diretor-geral. Eu disse ‘Não tenho nenhum problema em trocar o
diretor-geral, mas eu preciso de uma causa’. (…) Estaria claro que
haveria interferência política na PF”. O problema é: por que trocar? Por
que alguém entra? As investigações têm de ser preservadas.”
Ao
falar do governo Dilma Rousseff (PT), o ministro observou que “é certo
que o governo da época tinha muitos defeitos, mas foi fundamental a
autonomia da PF”. “Foi garantida a autonomia da Polícia Federal durante
os trabalhos. O governo da época tinha inúmeros defeitos, crimes de
corrupção, mas foi fundamental a manutenção da autonomia da PF para que
fosse realizado o trabalho. Isso permitiu que os resultados fossem
alcançados.”
Desde que abandonou 22 anos de magistratura para
entrar no governo, Sérgio Moro tem acumulado uma série de derrotas. O
pacote anticrime formulado por ele, por exemplo, foi desidratado pelo
Congresso. Recentemente, Bolsonaro também tentou esvaziar dividir o
Ministério da Justiça, retirando de Moro a parte reservada ao combate à
criminalidade, justamente uma das áreas que apresentava melhor resultado
até aqui. O plano do presidente era entregar a área que cuida da
Polícia Federal para o ex-deputado Alberto Fraga (DEM), amigo pessoal
de Bolsonaro.
Segundo Moro, ao aceitar o convite para comandar a
Justiça, nunca houve a condição para que ele depois assumisse uma
cadeira no Supremo. “O compromisso (ao assumir ministério) era
aprofundar combate à corrupção”, afirmou.
“Busquei ao máximo evitar que isso (a minha saída) acontecesse, mas foi inevitável”, disse Moro. “Não foi por minha opção.”
Sucessão.
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), já articula para
emplacar o secretário de Segurança do DF, Anderson Torres, no lugar de
Moro. Crítico do ex-juiz, Ibaneis disse ao
Estado que Torres, que é amigo de Bolsonaro,
seria um ministro “100 vezes melhor” que o ex-magistrado.
Estadão