As diversas medidas de apoio de emergência a empresas, setores e
famílias adotadas pelo Brasil em resposta à crise econômica gerada pela
pandemia de covid-19 foram corretas e necessárias, diz o BID (Banco
Interamericano do Desenvolvimento).
No entanto, segundo a
instituição, no longo e médio prazo, o país precisa evitar tornar
permanentes "benefícios a grupos que possuem condições de se ajustar à
nova realidade" ao mesmo tempo em que deve aumentar "o apoio focalizado
nos que mais precisam."
A análise foi feita em um relatório do BID sobre a recuperação
econômica após a atual pandemia nos países do Cone Sul. No documento,
divulgado nesta quinta (2), o BID faz diversas recomendações de médio e
longo prazo para os países conseguirem superar as perdas geradas pela
crise.
Segundo o vice-presidente do BID, Alexandre Meira da Rosa, a
questão fiscal, ou seja, o endividamento do país, é um dos fatores
centrais que devem ser levados em consideração no longo prazo.
"Nesse
momento da pandemia, a ação do Estado de apoiar (empresas para manter)
empregos e (oferecer) liquidez, foi absolutamente fundamental. Mas essas
medidas não podem ser perenizadas e servir como uma máscara sobre
ineficiências estruturais, ou proteger indústrias e serviços que não têm
mais um lugar nessa nova realidade pós-covid, que deixaram de ser
competitivos", diz Meira da Rosa, em entrevista à BBC News Brasil.
Continuar
dando benefícios estatais - como isenções fiscais, empréstimos e
garantias - para grupos que têm condições de se ajustar à nova realidade
vai "penalizar fortemente o país do ponto de vista fiscal em um momento
de debilidade maior", diz ele.
O mesmo vale para empresas, indústrias e serviços com baixa
produtividade e problemas estruturais que "já não faziam parte nem do
mundo pré-pandemia e que depois desse processo já não tenham mais lugar
na nova economia".
Ao mesmo tempo, diz o BID, o governo precisa se
esforçar para manter o apoio de renda às famílias mais necessitadas e
apoiar a modernização e adaptação dos negócios. Ou seja, é preciso uma
otimização no uso dos recursos.
Segundo Meira da Rosa, a opção
pela condicionalidade dos auxílios às famílias no Brasil - como
exigência de que as crianças frequentem a escola e tomem vacinas no
Bolsa Família, por exemplo - faz com que estes sejam uma ótima
oportunidade para fazer uma capacitação produtiva das pessoas que os
recebem, adaptando-as para atuar na economia pós-pandemia.
"Para isso, é claro, o governo precisa oferecer a capacitação junto com o auxílio", diz ele.m dos desafios, diz ele, é justamente como identificar as pessoas mais necessitadas e incluí-las nos programas de apoio.
"O
Brasil tem um histórico positivo, com a questão do cadastro único, do
Bolsa Família. Mas é preciso dar um passo a mais, identificar as pessoas
na informalidade, que têm uma fragilidade de renda e não têm tido
acesso ao auxílio", afirma o vice-presidente do BID, que é brasileiro.
"É
um meio de quebrar os ciclos intergeracionais de pobreza", diz ele, e
essencial para a recuperação econômica no médio e longo prazo.
Resistir ao lobby
Para
concentrar os auxílios nos grupos mais vulneráveis, diz o relatório do
BID, o país vai precisar resistir à pressão de grupos econômicos
interessados em manter os benefícios de emergência concedidos durante a
pandemia.
"As pressões vão ser grandes, como a gente já viu no
passado", diz Meira da Rosa. "A economia política desse tipo de
incentivo é sempre complexa, os grupos de interesse vão tentar defender
suas agendas."
O risco de tornar permanentes esses auxílios, diz o
BID, é mascarar falta de produtividade e competitividade em certos
setores, aprofundar deficiências estruturais e aumentar o endividamento
do país.
"É preciso pensar estrategicamente e ter uma leitura muito clara do que quer com os apoios", diz Meira da Rosa.
O
BID destaca que o "risco macroeconômico brasileiro será maior durante a
etapa de recuperação e não há espaço para manter em 2021 ou depois o
mesmo pacote de resposta à crise".
"Isto levaria a uma rápida
deterioração da trajetória esperada da dívida pública com eventual
impacto sobre as expectativas de inflação, taxa de juros e volatilidade
cambial", diz o relatório da instituição.
Se os auxílios a
indústrias e serviços são necessários para manter empregos no curto
prazo, diz o BID, no médio e longo prazo é preciso identificar as
oportunidades que vão surgir e quais setores farão sentido no novo
cenário econômico pós-pandemia.
"O agronegócio tem um potencial
grande, com surgimento novas cadeias de suprimentos globais. Vai ser
necessário não contar com um só suprimento, diversificar, por questões
de segurança, o que gera oportunidades", diz o vice-presidente da
instituição.
Modernização e Reformas
O BID faz ainda duas recomendações
para a economia em 2021. Para garantir que haja crescimento econômico e
que ele perdure, será necessário recuperar o caminho para reformas,
eliminando os entraves de burocracia, infraestrutura e finanças públicas
que limitam o crescimento e a competitividade do Brasil e da região.
Além
disso, diz a instituição, será preciso apoio para a modernização do
setor produtivo, para que possa acompanhar a tendência de digitalização
de serviços e implementar protocolos sanitários que restrinjam contato
físico.
A indústria e o comércio pós-pandemia precisam já se
preparar para demandas e exigências diferentes daqueles vistos antes da
crise, diz o BID.
Investimento Privado
Segundo o BID, o
Estado, que está tendo que atuar como financiador na pandemia - tendo
que colocar liquidez, garantias, etc - vai ter que voltar a ser um
Estado facilitador, porque nenhum país estará em condições de financiar
sua retomada econômica com recursos exclusivamente públicos.
Será
essencial, diz o BID, atrair investimentos privados internacionais. "O
financiamento privado será importante, incluindo na atração de liquidez
global para fins produtivos", diz o relatório da instituição.
"O
Brasil tinha avançado muito bem nesse quesito, há algumas décadas, com
criação de estrutura, de marcos setoriais regulatórios, reformas
necessárias", diz ele.
Nesse cenário, a crise política e o desacordo entre os poderes podem ser um problema.
"Coordenação
institucional é sempre muito relevante. Investidores veem com certa
preocupação desacordos entre os poderes porque isso pode fragilizar
marcos regulatórios de setores. Na medida de que o setor privado vai ser
tão importante, são necessários marcos regulatórios sólidos e uma visão
acerca das reformas, especialmente a tributária", diz Meira da Rosa.
"Mas ainda não chegamos nesse ponto em que o desacordo pode gerar essa
fragilização", diz ele.
No relatório, o BID destaca que, no
período de transição da pandemia para a recuperação econômica, haverá um
risco alto de tensões sociais, o que "pode inviabilizar as estratégias
do governo". Isso destaca, diz, "a importância de instituições fortes." UOL