Cientistas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) relataram ter conseguido eliminar o vírus HIV
do organismo de um paciente brasileiro. É o primeiro caso de um
soropositivo que entrou em remissão de longo prazo após ser tratado com
um coquetel intensificado de vários remédios.
O homem de 34 anos, diagnosticado com HIV em outubro de 2012, recebeu
uma série de medicamentos contra aids durante 48 semanas (11 meses). O
tratamento consistiu em uma base de terapia antirretroviral reforçada
com outras substâncias antirretrovirais, além de um remédio chamado
nicotinamida, conhecido por ser a forma ativa da vitamina B3.
O tratamento intensivo foi então interrompido, e após 57 semanas (13
meses) sem receber o coquetel e fazendo exames regulares, o DNA de HIV
nas células do paciente continuou negativo, assim como seu exame de
anticorpos de HIV. Ou seja, o vírus não é mais detectado no organismo
dele.
O infectologista Ricardo Sobhie Diaz, que coordena o estudo na
Unifesp, explica que o paciente pode ser considerado livre do vírus. "O
significado para mim é que tínhamos um paciente em tratamento, e agora
ele está controlando o vírus sem tratamento", disse à agência de
notícias AFP.
"Não conseguimos mais detectar o vírus [em seu organismo], e ele está
perdendo a resposta específica ao vírus – se você não possui
anticorpos, então não possui antígenos."
O feito fez parte de um estudo em escala global realizado pelos
pesquisadores da Unifesp com pessoas infectadas pelo HIV. Os resultados
foram apresentados na 23ª Conferência Internacional de Aids, que ocorre
entre 6 e 10 de julho de forma virtual, devido à pandemia de covid-19.
"Este caso é extremamente interessante, e realmente espero que possa
impulsionar pesquisas adicionais para uma cura do HIV", afirmou Andrea
Savarino, médico do Instituto de Saúde da Itália que foi um dos líderes
do teste, em uma entrevista à instituição NAM Aidsmap.
Ele advertiu, no entanto, que quatro outros pacientes foram tratados
com o mesmo coquetel, mas não tiveram os mesmos efeitos positivos. "Este
resultado muito provavelmente não pode ser reproduzido. Este é um
primeiro experimento [preliminar], e eu não faria previsões para além
disso", completou Savarino.
O estudo testou ao todo 30 pacientes, que receberam combinações de
medicamentos diferentes, além do tratamento padrão contra o vírus.
Nenhum deles apresentou resultados como o paciente de 34 anos. Agora,
Ricardo Sobhie Diaz disse ter recebido aprovação para realizar um novo
estudo, dessa vez com 60 pacientes, patrocinado por subsídios
governamentais do Brasil e pela farmacêutica britânica ViiV Healthcare.
Casos anteriores
Este é o terceiro caso no mundo de um soropositivo que teve o vírus
eliminado de seu organismo, mas é o primeiro que entrou em remissão
apenas com tratamento por coquetel intensificado –os outros dois foram
submetidos a transplantes de medula de alto risco.
A primeira cura foi a do americano Timothy Ray Brown,
hoje com 54 anos, que ficou conhecido como "paciente de Berlim", pois
vivia na capital alemã. Soropositivo e também sofrendo de leucemia, ele
recebeu em 2007 um tratamento com transplante de células-tronco de um
doador com uma mutação genética rara que torna portadores resistentes ao
HIV.
Em março deste ano, cientistas confirmaram o segundo caso de cura de
uma pessoa infectada com o vírus causador da aids, também por meio de um
transplante de células-tronco de um doador com gene resistente ao HIV.
Adam Castillejo, de 40 anos, ficou conhecido como o "paciente de
Londres", cidade onde o estudo foi realizado.
O transplante de células-tronco de doadores com o gene resistente ao
HIV (CCR5) faz com que o vírus não consiga multiplicar-se no organismo
da pessoa infectada, ao substituir as suas células imunitárias pelas
células imunitárias dos doadores. A radioterapia e a quimioterapia são
utilizadas paralelamente para eliminar vestígios do vírus.
Comparativamente com o "paciente de Berlim", o de Londres recebeu um
tratamento menos agressivo, que consistiu num único transplante de
células-tronco e doses mais reduzidas de quimioterapia e radioterapia. O
"paciente de Berlim" foi submetido a dois transplantes, a radioterapia
em todo o corpo e a um regime de quimioterapia mais intensivo.
Tais transplantes, contudo, são muito arriscados e impraticáveis de
serem realizados em larga escala, então os pesquisadores têm tentado
outras abordagens. Por isso o estudo brasileiro é considerado promissor e
aumenta a esperança de uma cura futura para o vírus.
A ONU informou nesta segunda-feira que 1,7 milhão de pessoas
contraíram HIV no ano passado e mais de 40 milhões convivem com o vírus
no mundo.
Folha