O ex-ministro do Supremo Tribunal 
Federal Joaquim Barbosa costuma dizer que a vida pública no Brasil é "um
 apedrejamento constante". Porém, a partir de sexta-feira, ele deu um 
passo que o coloca novamente na posição de alvo: filiou-se ao Partido 
Socialista Brasileiro (PSB) e deve ser o candidato da sigla à 
Presidência.
Essa caminhada pode acabar no dia 7 de outubro, data 
de seu aniversário de 64 anos e também do primeiro turno das eleições. 
Se eleito, Barbosa será o primeiro presidente negro da história do 
Brasil.
Nascido em família pobre da pequena Paracatu (MG), pai 
pedreiro, primogênito de oito irmãos, Barbosa foi faxineiro como a mãe, 
digitador em gráfica, estudante de Direito em universidade pública. 
Depois vieram o mestrado e o doutorado no exterior, o cargo de 
procurador da República, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e, 
depois, a presidência da Corte - também o primeiro negro nessa cadeira.
Barbosa
 surge como possível candidato carregando uma imagem de luta contra a 
corrupção, perfil criado durante o julgamento do mensalão, que condenou 
petistas históricos à prisão pela primeira vez. Agora, desponta no 
cenário eleitoral no momento em que políticos e partidos tradicionais 
são alvo de denúncias, processos e prisões. Um deles, por exemplo, foi 
quem indicou Barbosa ao STF: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva 
(PT) teve sua prisão decretada. 
Sua postura "rígida", condenando 
vários réus a anos de prisão, garantiu popularidade e capas de revistas 
semanais como um "homem que estava mudando" o país. 
Por outro 
lado, o conturbado julgamento também criou entre críticos uma imagem de 
juiz arrogante e intransigente. Um julgador que, ao defender suas teses,
 não aceitava opiniões contrárias. Foram muitas as discussões acaloradas
 com Ricardo Lewandowski, que era o revisor do processo.
Em um dos
 episódios, o relator afirmou que o colega de Corte fazia "vistas 
grossas" contra fatos que apontavam que os réus recebiam propina. Para 
ele, não era possível divergir de fatos.
Lewandowski se disse 
"estupefato" com a declaração, acrescentando que Barbosa não aceitava 
quem o contrariasse. O presidente do STF na época, Ayres Britto, 
concordou com Lewandowski e disse que fatos podem ser interpretados de 
formas diferentes por diversas pessoas. 
Faxineiro, digitador, estudante
Joaquim
 Barbosa, ou Joca, seu apelido, saiu de Paracatu no começo dos anos 
1970. Tinha 16 anos. Queria fugir da pobreza e estudar. Acabou fazendo 
um bico de faxineiro em um tribunal de Justiça em Brasília antes de 
entrar na profissão de digitador na gráfica do Senado. 
Trabalhava à noite, digitando textos para o Jornal do Senado, enquanto terminava o antigo 2º grau em uma escola pública.
Logo
 depois, passou no vestibular de Direito na Universidade de Brasília 
(UnB), tida como um dos polos de resistência estudantil à ditadura 
militar que regia o país.
Era um época conturbanda na UnB. Em 6 de
 julho de 1977, a universidade foi invadida por tropas militares 
comandadas pela ditadura.
Estudantes foram presos; e professores e
 funcionários, intimados. O estopim foi uma greve que estudantes e 
professores declararam para dar um fim às agressões que sofriam. Por 
coincidência, a intervenção na universidade veio depois de estudantes de
 Direito pedirem um habeas corpus, reinvindicando o direito de assistir 
às aulas durante a greve - Barbosa não fazia parte desse grupo.
Em
 entrevista recente, ele lembrou dessa época. "Assisti a muitas aulas 
com policiais na porta, vi colegas sendo presos na saída da faculdade."
No
 ano seguinte, Barbosa fez parte de um coletivo de alunos de Direito que
 assumiu o Diretório Acadêmico da universidade, rompendo uma direção 
anterior que era mais idenficada com a direita.
O então aluno não 
atuava de forma extensiva no movimento estudantil que combatia o regime.
 Sua militância era mais na área jurídica, segundo José Geraldo de Sousa
 Junior, contemporâneo de Barbosa na universidade.
"Ele foi uma das pessoas que criaram um núcleo na 
UnB que dava apoio jurídico para pessoas pobres sem acesso a advogados",
 lembra Sousa Junior, hoje professor de Direito na UnB. "Foi um núcleo 
inovador, porque na época não existia Defensoria Pública."
Sousa Junior acabou por reencontrar o colega anos depois - ele como reitor da UnB e Barbosa como ministro do STF.
Nessa
 ocasião, em 2011, o STF julgava uma ação de inconstucionalidade 
proposta pelo Democratas contra a política de cotas raciais da UnB. A 
universidade foi pioneira no Brasil ao implantar, em 2003, um sistema 
que reserva parte das vagas do vestibular para negros.
"O Joaquim 
Barbosa teve um papel importante nesse processo (julgamento da ação), 
participando de várias audiências públicas e votando a favor das cotas",
 lembra Sousa Junior. "E o voto dele foi simbólico. Primeiro porque ele é
 ex-aluno da universidade. Depois, por ser negro e ter estudado ações 
raciais afirmativas na pós-graduação. Ele era referência e sujeito nesse
 processo", diz o professor.
Em seu voto, o magistrado defendeu as
 cotas como políticas públicas voltadas para concretizar princípios 
constitucionais de igualdade e neutralizar "efeitos perversos da 
discriminação racial, de gênero, de idade e de origem".
"Essas 
medidas visam a combater não somente manifestações flagrantes de 
discriminação, mas a discriminação de fato, que é a absolutamente 
enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem", 
declarou, na ocasião.
Procurador, ministro
Nos
 anos 1980, depois de concluir a graduação, Joaquim saiu do país para 
melhorar sua formação. Fez mestrado e doutorado em Direito Público na 
Sorbonne, tradicional universidade francesa - uma época que ele 
classifica como "enriquecedora" e que ajudou a diminuir sua timidez 
crônica. Fala inglês, francês e alemão.
Na volta, trabalhou no 
setor jurídico do Ministério da Saúde e, depois, passou em um concurso 
para o importante cargo de procurador da República, no Rio. 
Em 
2003, o então presidente Lula procurava uma pessoa para assumir uma 
cadeira no STF. O petista queria um negro. A costura para indicação 
envolveu os ministros Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, e José Dirceu, 
da Casa Civil - nove anos depois, o petista acabou condenado por Barbosa
 no processo do mensalão.
Em 11 anos como ministro, Barbosa votou a
 favor de temas considerados progressistas, como a união homoafetiva, o 
aborto de anencéfalos e pesquisas com células-tronco. 
Sua 
passagem pela principal Corte do país, no entanto, ficou marcada por sua
 rígida postura diante de casos de corrupção e pelas famosas discussões 
com os colegas - ele decidiu sair do STF, mesmo podendo ficar.
Em 
uma das brigas, depois de o então ministro César Peluzo chamá-lo de 
inseguro, Barbosa retrucou, afirmando que o colega era "desleal, caipira
 e tirano".  Em outra, disse que Gilmar Mendes não estava falando com 
"um de seus capangas do Mato Grosso".
Ele também já teve rusgas 
com jornalistas. Em março de 2013, chamou um repórter Felipe Recondo, à 
época no jornal O Estado de S. Paulo, de "palhaço" e o mandou "chafurdar
 no lixo". O repórter havia pedido os gastos de gabinete e de viagens do
 ministro por meio da Lei de Acesso à Informação.
Meses depois, 
Barbosa pediu para o então presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, 
afastasse a mulher de Recondo, Adriana Leineker Costa, do cargo que ela 
tinha no STF. O ministro afirmou ser "antiético" o fato de Costa 
trabalhar no tribunal tendo como marido um jornalista. Ela acabou sendo 
deslocada para outro tribunal.
Outro caso polêmico ocorreu quando o
 magistrado processou o jornalista Ricardo Noblat, acusando-o de 
racismo, difamação e injúria. 
Em sua coluna no jornal O Globo, 
Noblat criticou Barbosa por se envolver em discussões durante o 
julgamento do mensalão. Ele escreveu:  "Para entender melhor Joaquim 
acrescenta-se a cor - sua cor. Há negros que padecem do complexo de 
inferioridade. Outros assumem uma postura radicalmente oposta para 
enfrentar a discriminação".
Na denúncia, o Ministério Público 
Federal concordou com Barbosa. "Ao afirmar que o ofendido pertence à 
categoria dos negros autoritários, o denunciado extrapola a injúria 
racial (...) pois as ofensas passaram a visar não apenas uma pessoa 
(...) mas sim menosprezar, induzindo à discriminação de todas as pessoas
 de cor negra", escreveu o órgão.
Barbosa perdeu o processo.
'Inseperável da verdade'
Em
 sua passagem pelo STF, Barbosa também deixou fama de intransigente e de
 ter pouco traquejo no convívio com advogados e colegas da magistratura.
"Ele
 não é uma pessoa de diálogo, ele é irascível", diz Nino Toldo, 
desembargador federal de São Paulo e ex-presidente da Associação dos 
Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Toldo conta que a Ajufe pediu 
uma reunião com o ex-ministro em novembro de 2012, quando Barbosa 
assumiu a presidência do STF.  O ex-ministro só se reuniu com a 
associação seis meses depois - e ainda chamou os colegas de 
sindicalistas, o que foi malvisto na categoria.
Em 2013, Barbosa 
participou de outra briga com os juízes ao suspender uma emenda 
constitucional que criava quatro novos tribunais federais, uma demanda 
da categoria e que está parada desde então. O ministro afirmou que o 
governo teria de gastar muitos recursos para criar os tribunais. "Ele 
tomou uma decisão monocrática, como presidente do STF, durante o 
plantão", diz Toldo.
Na opinião do desembargador, "como presidente do STF, ele provou que não tem condições de ser presidente da República".
Um
 advogado que atuou no STF durante o julgamento do mensalão também 
critica a postura do ex-ministro em relação aos defensores - Barbosa 
chegou a dizer que advogados "dormem até tarde" e já expulsou um deles 
do plenário.
"O ex-ministro se mostrava uma pessoa totalmente 
resistente e intolerante à atuação dos advogados. Raramente recebia os 
advogados, o que é uma praxe na Corte", disse o defensor, que preferiu 
não se identificar. Segundo a assessoria de Barbosa, o magistrado só 
recebia advogados caso a outra parte envolvida no processo também 
estivesse presente.
Em uma entrevista em 2014, Barbosa explicou 
sua postura rígida diante dos colegas. "Sou um sujeito inseparável da 
verdade. Não suporto esse negócio de escolher palavrinhas gentis para 
fazer algo inaceitável. Isso é da nossa cultura. O sujeito faz algo 
inadmissível com belas palavras, com gentilezas mil. Isso é fonte de boa
 parte do momentos de irritação que tenho aqui (no Supremo)", afirmou.
O
 repórter questionou se essa declaração não poderia "causar mal-estar 
com os colegas". Barbosa retrucou: "Tenho minha liberdade de expressão".
Outra
 polêmica envolvendo o ex-ministro ocorreu em 2010, quando ele foi visto
 em um bar, tendo cerveja à mesa, mesmo estando de licença médica do STF
 em virtude de suas dores crônicas nas costas. Após a publicação da 
reportagem, a assessoria de imprensa do ex-ministro afirmou que uma 
fotografia dele no estabelecimento foi interpretada de maneira 
equivocada: o copo de cerveja que estava na mesa não era dele, mas de 
uma pessoa que o acompanhava na ocasião.
Em 2016, o projeto 
jornalístico Panamá Papers divulgou que Barbosa não havia pago um 
imposto durante a compra de um apartamento em Miami. O ex-ministro 
afirma que não cabia a ele pagar a taxa, mas ao vendedor - e que toda a 
situação foi regularizada.
'Sem palavrinhas'
Agora,
 para ser presidente, Barbosa entra em um partido historicamente ligado à
 esquerda, mas que nos últimos anos teve posições próximas do espectro 
político oposto. O PSB votou a favor do impeachment de Dilma e apoiou o 
presidente Michel Temer no início de seu governo.
Barbosa teve 
opinião diferente: criticou o impedimento de Dilma, chamando-o de 
"tabajara", e faz constantes críticas a Temer, apoiando inclusive a sua 
saída da Presidência.
No cenário eleitoral, ele terá de escalar 
novos degraus para sair do patamar de 5% das intenções de voto. Os dados
 são da última pesquisa Datafolha e mostram um cenário ainda com Lula e 
sem Marina Silva - no início do ano havia um rumor de que a ex-ministro 
do Meio Ambiente poderia compor uma chapa com Barbosa.
Para Danilo
 Cersosimo, diretor do instituto de pesquisas Ipsos, Barbosa é um 
candidato com potencial de crescer. "Acho que ele tem grandes chances, 
porque reúne atributos que são pertinentes e relevantes para a 
população, que são a imagem de uma pessoa ética e que combate a 
corrupção", diz.
Nesta semana, a consultoria de risco político 
Eusásia Group colocou Barbosa como um candidato com o "melhor mix de 
atributos" entre os políticos dispostos a concorrer. 
Cersosimo 
acredita que seu histórico de ascensão social pode ajudá-lo, porque a 
população tende a se identificar com pessoas que saíram da pobreza para 
uma carreira de sucesso.
Em entrevista de 2014 à GloboNews, 
Barbosa refutou glorificar sua trajetória: "O que penso é o seguinte: 
raríssimas pessoas no Brasil, incluindo aí os pobres e pessoas vindas da
 elite brasileira, tiveram e souberam aproveitar as oportunidades que eu
 tive. Mas não sinto como uma superação, as coisas foram acontecendo 
naturalmente comigo", disse.
Ele citou a sorte como o ponto mais 
importante de sua carreira. "Me sinto uma pessoa bastante afortunada. Ao
 contrário do que dizem a meu respeito, menino pobre, filho de pedreiro 
que ascendeu na vida, acho tudo isso uma bobagem." informações bbc.com
 










 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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