A deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSD) não apresentou ao Conselho Tutelar do Largo da Batalha, em Niterói, nenhuma documentação comprovando ter a guarda ou adoção de uma adolescente tratada por ela como filha
e que está em sua casa há seis anos. Como o EXTRA mostrou no último dia
20, a jovem está em situação irregular, o que a deputada nega.
Flordelis
deixou o Conselho Tutelar pouco depois das 13h, após mais de duas horas
de ter chegado no local. A parlamentar afirma que deu entrada no pedido
de adoção da jovem em 2014, mas alega que o processo não foi
finalizado. A deputada marcou para a próxima segunda-feira para retornar
ao conselho com a documentação que afirma ter.
Ao deixar o local, Flordelis também afirmou ao EXTRA que a situação da adolescente está regularizada.
—
A situação da minha filha está bem clara. Já dei entrada no Juizado de
Menores. Vou trazer segunda-feira os documentos para apresentar. Já dei
entrada no processo — afirmou a parlamentar.
De acordo com Eliana
Virgílio, presidente do Conselho Tutelar do Largo da Batalha, Flordelis
alegou que a documentação da filha está com seu antigo advogado. Ela
apresentou apenas uma autorização do próprio conselho, de 2014, para que
a adolescente estudasse. Eliana afimou que a antiga gestão do conselho
será questionada, uma vez que não é de praxe conceder esse tipo de
autorização para uma criança sem certidão de nascimento, como é o caso
da jovem.
A adolescente também será ouvida no Conselho Tutelar na
próxima segunda-feira. Eliana quer ouvir os relatos da jovem sobre sua
origem e se ela deseja permanecer com Flordelis.
— Nosso objetivo
principal é garantir os direitos dessa adolescente. Se ela não tem
certidão de nascimento, não viaja, por exemplo. Ela Precisa estar com a
situação regularizada. Mas se não houver guarda e nem adoção, é uma
situação muito grave. Precisamos saber a origem dessa menina. De onde
ela veio? Pode estar sendo procurada em algum lugar — explicou Eliana.
Caso
Flordelis não apresente a documentação, o Conselho Tutelar encaminhará
uma Notícia de Fato ao Ministério Público para informar sobre a
situação.
No conselho, a deputada contou que a adolescente foi
levada para sua casa por um amigo que trabalha na gravadora MK Music,
com a qual ela possui contrato. Segundo Flordelis, a menina vivia nas
ruas com o avô. A parlamentar alega que tentou encontrá-lo para
descobrir mais dados da jovem, mas não teve sucesso.
Flordelis foi
convocada para prestar esclarecimentos sobre a situação da filha no
último dia 20. Inicialmente, sua ida ao Conselho Tutelar foi marcada
para as 11h30 da última sexta-feira, mas ela não compareceu. Pouco mais
de uma hora após o horário em que deveria estar no órgão, a deputada deu
uma entrevista ao vivo ao SBT.
Procurada, a assessoria de imprensa de Flordelis não explicou por que a deputada não foi ao conselho.
Como
o EXTRA divulgou no último dia 20, Flordelis mantém em sua casa uma
adolescente, tratada como filha, em situação irregular. A jovem está na
família há seis anos, nunca foi adotada e a parlamentar sequer possui a
guarda legal da jovem. Em discurso em fevereiro deste ano, na Câmara dos
Deputados, Flordelis citou a filha, alegando que possuía a sua guarda e
tentava conseguir um registro de nascimento para a jovem, já que ela
não possui o documento.
Especialistas ouvidos pelo EXTRA, no
entanto, garantem que a Justiça não concede a guarda de um menor sem
determinar a expedição de uma certidão de nascimento no mesmo processo,
ainda que com dados presumidos. Além disso, O EXTRA apurou que não há
qualquer processo na Justiça sobre adoção ou guarda da adolescente.
Procurada
pelo EXTRA, a assessoria de imprensa de Flordelis se negou a fornecer o
número do processo de guarda que a deputada alega possuir e também o
termo de guarda da adolescente. No discurso na Câmara em que cita a
jovem, Flordelis admite que conseguiu, mesmo sem a certidão,
matriculá-la numa escola, “mesmo que de forma ilegal”. Flordelis foi
eleita deputada federal no fim do ano passado, com quase 200 mil votos.
Uma de suas principais bandeiras foi a desburocratização da adoção no
Brasil.
"Há seis anos eu luto para que minha filha tenha um
registro de nascimento. Eu tenho a guarda legal da minha filha. Essa
guarda tem sido renovada tempo a tempo. Minha filha hoje só frequenta
uma escola porque eu tive que ir lá implorar para minha filha entrar
naquela escola, mesmo que de forma ilegal", afirmou Flordelis em seu
discurso, que foi gravado e consta em vídeo obtido pelo EXTRA.
A
guarda citada pela parlamentar é a provisória, que é necessário renovar
periodicamente. A advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da
Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM) e da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente
(CDCA) da OAB/RJ explica que a certidão de nascimento é um documento
extremamente necessário para a vida da criança. É direito previsto no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a regularização do registro
civil dos menores.
— Não existe guarda sem a expedição da certidão
de nascimento. É a certidão que torna a criança um sujeito de direitos,
é um documento necessário para a vida dela. No processo de guarda, o
juiz manda expedir a certidão. Uma criança sobre a qual não se conheça
os dados, as informações (da certidão) serão presumidas — explica a
advogada, que foi uma das palestrantes do “Cruzada da Adoção”, evento
realizado na Câmara dos Deputados, em maio deste ano, e liderado por
Flordelis. Silvana atua há 26 anos na área da Infância e Juventude.
Em
outro pronunciamento este ano, durante uma sessão na Comissão de
Seguridade Social e Família na Câmara dos Deputados, Flordelis voltou a
citar a filha. A parlamentar contou que a jovem chegou em sua casa com
um nome que seria de batismo, mas desejava ter outro. O EXTRA apurou que
na família da parlamentar, pouco se sabe sobre a origem e história da
adolescente. Há dúvidas, inclusive, sobre sua verdadeira idade.
Flordelis chegou a relatar que a garota foi deixada por uma das avós
dela na igreja fundada e dirigida pela parlamentar.
Flordelis está
sendo investigada pela Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo
pela morte de seu marido, o pastor Anderson do Carmo. Dois filhos da
parlamentar já foram indiciados por participação no crime, no fim da
primeira fase das investigações. A Polícia abriu um novo inquérito para
continuar apurando o envolvimento de outras pessoas no crime. EXTRA
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