Em entrevista ao UOL, Fleury afirmou que
não há motivo para comemorar a queda de ações trabalhistas na Justiça.
Segundo ele, não é que as empresas estejam respeitando mais a legislação
trabalhista, mas, sim, os trabalhadores ficaram com receio de buscar
seus direitos, temendo ter de arcar com os custos do processo judicial
se perderem. “A Justiça gratuita na Justiça do Trabalho foi praticamente
extinta com a reforma.”
Ele também defendeu que só se criam
empregos com crescimento econômico e disse que ainda não viu “nenhum
efeito positivo” da reforma. Leia abaixo.
O senhor fez fortes críticas à reforma na época da tramitação. Qual seu balanço dos efeitos dela?
O que cria emprego não é a flexibilização da legislação trabalhista, e sim o desenvolvimento da economia.
Durante esse um ano, só houve
efetivamente a criação de empregos a partir dos dois últimos meses,
quando o país voltou a crescer, ainda que timidamente. Tudo que o MPT
[Ministério Público do Trabalho] falou desde o início foi o que de fato
aconteceu. Não porque nós fomos visionários, mas porque o nosso
posicionamento foi baseado em experiências de outros países, como o
México e a Espanha.
Houve precarização das relações de trabalho, como o senhor temia?
A criação de “empregos alternativos”,
como nós chamamos o contrato intermitente e a “pejotização” [contratação
de empregado como pessoa jurídica], está muito tímida. É difícil até de
dimensionar.
Por exemplo, vamos supor que eu tenho um
bufê e contrato 30 garçons intermitentes, mas, durante um mês, não faço
nenhuma festa. Mesmo sem terem trabalhado, esses garçons contam como 30
novos empregos. Pode acontecer também de um único trabalhador ter dez
contratos intermitentes. São dez novos postos de trabalho? Não, porque
só um trabalhador foi tirado do desemprego. Então, são números muito
complicados de avaliar.
E os rendimentos do trabalhador foram afetados?
Os dados do IBGE [Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística] têm mostrado uma diminuição gradativa da
renda média. Os contratos têm sido firmados com salários menores, e está
ocorrendo um aumento do nível escolar de quem acessa trabalhos de menor
remuneração. Pessoas com nível [escolar] superior estão deixando de
trabalhar em funções compatíveis com a sua formação para trabalhar em
funções com menor exigência. Isso é resultado do desemprego e, também,
de um processo de precarização das próprias relações de trabalho.
Como o MPT tem atuado em relação à aplicação da reforma?
Em momento nenhum deixamos de aplicar os
preceitos da reforma. Obviamente, fazemos as interpretações que
entendemos corretas, porque esse é o nosso trabalho. Basicamente, o que
fazemos é combater as fraudes.
Por exemplo: o STF [Supremo Tribunal Federal] decidiu que a terceirização ampla está permitida,
mas o próprio STF deixou claro também que terceirização é diferente de
mera intermediação de mão de obra. Eu terceirizo um serviço, e não a
contratação de um trabalhador.
Por exemplo, eu vou montar um jornal e
quero contratar um jornalista. Eu não posso contratar uma empresa e
dizer que ela é que vai contratar o jornalista. Isso continua proibido. O
que eu posso fazer é terceirizar uma atividade do jornalismo, como o
jornalismo econômico, que vai ser feito por uma empresa. Nesse caso, se
essa empresa quer contratar o Joaquim, o José ou o Serafim, eu não posso
fazer nada, porque eu contratei um serviço, e não pessoas.
A segurança jurídica aumentou ou diminuiu com a reforma?
É natural não termos segurança jurídica
ainda, porque é uma reforma que mexeu com 117 artigos da CLT
[Consolidação das Leis do Trabalho] e foi aprovada sem discussão. É
normal que haja um processo de amadurecimento, discussão e interpretação
dessa norma.
Dito isso, a reforma foi tão profunda e sem limites a favor do empregador que ela gerou muito mais insegurança do que segurança.
Por exemplo, o contrato intermitente foi
permitido amplamente. Uma indústria que tenha natureza permanente pode
contratar como intermitente? Ou só as de natureza intermitente, como um
bufê? Essas questões são passíveis de interpretação.
O volume de novas ações na Justiça do Trabalho caiu significativamente. Isso não é positivo?
Eu comemoraria se estivesse acontecendo
diminuição do descumprimento da legislação trabalhista. A redução é por
isso ou pelo receio que as pessoas agora têm de acionar a Justiça e
serem penalizadas?
Temos um dado do CNJ [Conselho Nacional
de Justiça] que mostra que mais de 50% das ações trabalhistas se referem
ao pagamento de verbas rescisórias, como aviso prévio, 13º salário e
férias proporcionais. Será que, com a reforma, as empresas passaram a
pagar as verbas rescisórias? Ou será que o trabalhador agora decide não
entrar na Justiça para pedir o aviso prévio para não correr o risco de
ter que pagar para a empresa?
A Justiça gratuita na Justiça do
Trabalho foi praticamente extinta com a reforma. Criaram tantas coisas
para evitar que o trabalhador acesse a Justiça, que isso praticamente
inviabilizou que ele entre com uma ação. Então, não há o que comemorar.
O acionamento do MPT também diminuiu?
Não houve nenhuma diminuição nas
demandas do MPT. Nossos números mostram até um ligeiro aumento no número
de denúncias que chegam até nós. Um trabalho que tem crescido muito no
MPT é o de mediação, de auxílio na negociação coletiva. As empresas e os
sindicatos pedem, e o MPT tem feito esse trabalho de aproximação das
partes, de tentar facilitar a negociação.
Há alguma relação entre esse crescimento e o fato de a nova lei determinar a prevalência do acordado sobre o legislado?
Sim, e também com o fato de ter acabado
com a ulterioridade [posterioridade] da convenção coletiva. Pela
legislação anterior, enquanto não houvesse novo acordo ou convenção, as
condições previstas naquele acordo permaneceriam intactas, até a nova
convenção. Com a reforma, aquelas condições só valem durante o período
determinado pelo acordo.
Digamos que um sindicato de
trabalhadores tem um acordo com o sindicato patronal estabelecendo o
pagamento de vale-refeição. Quando acabar o período da convenção
coletiva, se não tiver outra para substituí-la, a empresa pode parar de
pagar o vale-refeição.
Sem o imposto sindical obrigatório, os sindicatos estão conseguindo representar os trabalhadores nas negociações?
Não. A relação era equilibrada, e a
reforma tirou o equilíbrio. O imposto sindical correspondia a 70% a 80%
do custeio das entidades sindicais de trabalhadores. Já para as
entidades sindicais das empresas, correspondia só a 10%. No caso das
entidades patronais, mais de 60% do custeio vem do sistema S, e ninguém
mexeu nisso. Então, elas continuam hígidas [sadias] do ponto de vista
econômico. Já as entidades obreiras foram muito atingidas. Várias foram
inviabilizadas. Os sindicatos estão tendo que se reinventar.
O governo editou uma MP para alterar alguns pontos da lei, mas ela já perdeu a validade. Está fazendo alguma falta?
Sim, muita falta. Por exemplo, na
questão do trabalhador intermitente. Se ele ganha menos que um salário
mínimo no mês, vai pagar recolhimento da Previdência proporcional ao que
ganhou. Mas, como a contribuição não vai atingir o mínimo, ele não vai
ter nenhum benefício da seguridade social, como auxílio-doença ou
licença-maternidade. E aquele mês não vai ser computado para efeito de aposentadoria.
Um trabalhador que tenha contrato
intermitente por dez anos sem atingir um salário mínimo por mês não vai
somar um mês sequer para efeito de aposentadoria. Ele está num limbo
jurídico, que a MP tentava consertar.
Muitos trabalhadores estão optando por
não ter carteira assinada. Eles pensam: “Já que eu não vou ter nenhum
benefício, que pelo menos eu não tenha desconto”. Talvez isso explique o
aumento vertiginoso no trabalho informal.
Houve algum efeito positivo, na sua opinião?
De tudo que até hoje eu já analisei, que
chegou ao meu conhecimento, ainda não vi nenhum efeito positivo. Por
exemplo, falaram muito que a reforma ia acabar com a informalidade.
Aumentou a informalidade. Falaram que ia criar emprego, não criou
emprego.
O então ministro, Ronaldo Nogueira, e o
próprio presidente Temer falaram em criar 5 milhões de empregos. Agora é
que estamos vendo alguma criação de vagas, não como consequência direta
da reforma, mas muito mais como consequência de um tímido crescimento
econômico, que foi mais ou menos o que aconteceu nos anos 2000. O Brasil
teve crescimento econômico bastante consistente, e nós chegamos
praticamente ao pleno emprego, e com a legislação anterior. Informações www.sinteactk.com.br