Representantes de hospitais privados e filantrópicos se reuniram
ontem com o ministro Dias Toffoli, por meio de videoconferência,
solicitando providências do STF
(Supremo Tribunal Federal) por conta de 'confiscos' (requisições
administrativas) de EPIs (equipamentos de proteção individual) e
medicamentos por parte do governo federal. Municípios e Estados, dizem
as entidades, também estão adotando a prática.
Após a reunião, um
ofício, assinado por organizações como a FBH (Federação Brasileira de
Hospitais), que representa mais de 4 mil hospitais, e a Anahp
(Associação Nacional dos Hospitais Privados), que tem membros como o
Hospital Israelita Albert Einstein e o Hospital Sírio-Libanês, foi
enviado a Toffoli, que preside o Supremo.
Os EPIs são definidos por Norma Regulamentadora (NR), e consistem em
"todo dispositivo de uso individual, destinado a proteger a saúde e a
integridade física do trabalhador". No caso do novo coronavírus, os equipamentos citados estão relacionados à área da saúde, como luvas e máscaras.
As entidades que representam os hospitais particulares afirmam que a
situação do setor privado de saúde já é "bastante preocupante" e que,
com a falta de materiais e insumos, há possibilidade considerável de um
"colapso" no sistema.
"O setor saúde, especificamente, um dos mais afetados neste processo,
tem se deparado com vários desafios importantes, e um dos mais graves
neste momento é a escassez de suprimentos, necessários para atendimento
aos pacientes acometidos pela COVID-19, bem como as requisições
administrativas ("confiscos") do Governo, nas esferas estadual,
municipal e federal, de materiais (como equipamentos de proteção
individual - EPIs), equipamentos (ventiladores) e medicamentos", diz o
documento enviado ao STF.
Na última semana, em entrevista ao UOL,
Mirocles Campos Véras Neto, presidente da CMB (Confederação das Santas
Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas), uma das
instituições que assina o ofício, disse que os EPIs estão chegando
apenas nos hospitais públicos, o que está desequilibrando os serviços de saúde.
"Hoje,
o direcionamento de EPIs, medicamentos e material é para os hospitais
públicos, isso está gerando uma dificuldade muito grande para os
filantrópicos", observa Véras Neto.
A instituição representa 2.172
hospitais sem fins lucrativos em todo o país (sendo que 1.704 atendem o
SUS) e responde por 50% de todo o atendimento da saúde pública. Os
hospitais filantrópicos também são responsáveis por 60% dos tratamentos
complexos do SUS (rádio e quimioterapia, por exemplo).
Os
hospitais citam ainda problemas com a importação de insumos e
equipamentos, o que impede o suprimento da demanda. Ontem, a Folha
revelou que 600 respiradores artificiais chineses comprados por estados
do Nordeste ficaram retidos no aeroporto de Miami (EUA). As supostas preferências da China estariam atingindo também o setor privado.
"A escassez de EPIs já é uma realidade entre as indústrias nacionais,
e a importação da China, que seria uma alternativa importante para
suprir essa carência de equipamentos e insumos, foi bloqueada
recentemente pela preferência dada aos Estados Unidos", escrevem as
organizações no ofício.
O documento cita ainda um receio, por
parte das importadoras, de que materiais, equipamentos e insumos
adquiridos sejam confiscados pelo governo em portos e aeroportos.
CNS também aciona STF
Na
última quinta (2), a Confederação Nacional de Saúde (CNS), outra
entidade que representa os hospitais privados entrou com uma ação direta
de inconstitucionalidade no Supremo, pedindo que todas as requisições
administrativas (chamadas pelos hospitais de 'confisco') de materiais e
serviços da rede particular passem pelo crivo do ministério da Saúde.
A
CNS pede que "todas as requisições administrativas projetadas para
serem exercidas por gestores de saúde estaduais ou municipais sejam
submetidas ao prévio exame e autorização do Ministério da Saúde para
serem, só depois disso, implementadas".
A ação vem no âmbito da
lei de quarentena, que deu poder às autoridades para requerer bens e
serviços de saúde, "hipótese em que será garantido o pagamento posterior
de indenização justa". A Confederação argumenta que a lei, "em termos
genéricos", abriu uma brecha para que gestores locais adotem medidas sem
controle prévio da União.
A ação foi distribuída por prevenção ao
ministro Ricardo Lewandowski. Ele já é relator de outra ação, impetrada
pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), que pede controle do Estado
dos bens e serviços dos hospitais particulares enquanto durar a
pandemia de covid-19. O partido utiliza como argumento a provável
escassez dos leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
Hospitais não foram procurados para ajudar na crise
Mesmo
com as projeções de que leitos de UTI (Unidades de Terapia Intensiva)
podem ficar sobrecarregados já neste mês por conta do novo coronavírus, o
governo não informou se há planejamento para utilizar estruturas
particulares, nem contatou as instituições que representam hospitais
privados.
Reportagem do UOL publicada hoje mostra
que CMB, FBH e Anahp não receberam propostas do Ministério da Saúde
para a utilização dos leitos que estão disponíveis na rede privada.
Segundo
ministério, até ontem havia 25,6 mil pessoas internadas por conta de
SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) no país; dessas, 1.769 foram
diagnosticadas com covid-19. A pasta, no entanto, não informa quantas
destas pessoas estão em leitos de UTI.
Procurado, o ministério afirmou que vai "passar a monitorar, a acompanhar a utilização dos leitos de UTI, tanto da rede do SUS, quanto da rede privada".
"Em
uma fase inicial, talvez o sistema público tenha de socorrer a
iniciativa privada. Mais adiante, quando mudar o perfil das pessoas que
vão estar doentes, é possível que o SUS precise mais dos leitos
privados. (...) Isso tudo está sendo analisado, e a gente está criando
as propostas possíveis para ser implementadas", declarou o secretário
executivo João Gabbardo dos Reis. uol