Prestes a concluir seu mandato, a senadora Marta 
Suplicy (MDB-SP) apresentou nesta semana ao Senado Federal um projeto de
 lei para criação de um marco regulatório de acolhimento de crianças e 
adolescentes em situação de abandono ou afastados do convívio familiar. O
 texto busca reunir princípios e diretrizes das principais normas 
legais, infralegais, nacionais e internacionais sobre a área, como 
dezenas de resoluções do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente.
O PLS 439/2018
 será votado primeiro na Comissão de Direitos Humanos e Legislação 
Participativa (CDH), depois na de Assuntos Sociais (CAS) e, em seguida, 
na de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Nesta última, a votação 
será em caráter terminativo, ou seja, poderá seguir para a Câmara sem 
passar pelo Plenário do Senado, se não houver requerimento contrário. O 
projeto de lei pode receber emendas dos demais senadores até a 
quarta-feira (28).
O projeto cria a Política Nacional de Acolhimento de Crianças e 
Adolescentes, destinada a menores que estejam sob acolhimento 
institucional, em programa de acolhimento familiar ou em família 
substituta. Todas essas medidas protetivas estão previstas no Estatuto 
da Criança e do Adolescente (ECA). Além do ECA, o projeto se fundamenta na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742, de 1993).
 Marta Suplicy alerta que os serviços de acolhimento não devem ser 
confundidos com instituições que abrigam jovens que cumprem medidas 
socioeducativas de internação em estabelecimento educacional.
“O projeto de lei visa estabelecer parâmetros e oferecer orientações 
metodológicas para que os serviços de acolhida de crianças e 
adolescentes possam cumprir sua função protetiva e de restabelecer 
direitos, compondo uma rede de proteção que favoreça o fortalecimento 
dos vínculos familiares e comunitários, o desenvolvimento de 
potencialidades das crianças e dos adolescentes atendidos e o 
empoderamento de suas famílias”, afirma Marta Suplicy na justificação de
 sua proposta.
Objetivos
O objetivo principal do novo marco regulatório será ampliar, 
articular e integrar os programas, projetos, serviços e as ações de 
apoio social e familiar para a promoção, proteção e defesa do direito de
 crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. Busca-se 
aperfeiçoar a prática de acolhimento e assegurar parâmetros técnicos de 
qualidade no atendimento e acompanhamento de entidades, famílias 
acolhedoras, famílias de origem, crianças e adolescentes.
Outro objetivo é fomentar a criação de programas para promover a 
autonomia do jovem egresso de programas de acolhimento, além de 
favorecer mecanismos de controle social sobre a execução da política 
nacional. União, estados, municípios e Distrito Federal deverão adotar, 
de maneira conjunta ou cooperada, as ações da política nacional 
preconizadas pelo marco regulatório.
Estudo diagnóstico
Deverá haver um estudo diagnóstico para cada caso, para subsidiar a 
decisão sobre o afastamento da criança ou adolescente do convívio 
familiar. O estudo diagnóstico deverá ser realizado sob supervisão e em 
articulação com o Conselho Tutelar, com a Justiça da Infância e da 
Juventude e com a equipe de referência do órgão gestor de assistência 
social. No documento, deverão ser avaliados os riscos a que estiver 
submetido cada atendido.
O estudo deverá conter informações como composição familiar, contexto
 socioeconômico e cultural, vínculos significativos na família, análise 
da rede social de apoio da criança ou adolescente e de sua família, com 
dados sobre familiares e parentes, amigos, vizinhos e padrinhos, dados 
sobre valores e costumes da comunidade da qual a família faça parte, 
condições de acesso da família a serviços e programas e projetos das 
diversas políticas públicas que possam responder às suas necessidades.
Também deverá conter informações sobre situações de vulnerabilidade e
 risco vivenciadas pela família; avaliação da situação atual da criança 
ou do adolescente e de sua família, inclusive quanto às dificuldades da 
família para exercer seu papel de cuidado e proteção; referências sobre 
história familiar e sobre padrões de relacionamento com violação de 
direitos; análise do grau de risco e de desproteção ao qual a criança ou
 o adolescente estará exposto caso não seja afastado do ambiente 
familiar e outras.
Além de avaliar a necessidade ou não de afastamento do convívio 
familiar, o estudo diagnóstico deverá analisar o perfil e as demandas 
específicas da criança ou do adolescente, de forma a subsidiar a decisão
 pelo encaminhamento para o serviço de acolhimento que melhor atenda 
suas peculiaridades.
Plano de atendimento
Para cada criança ou adolescente que for recebido em serviço de 
acolhimento, deverá ser elaborado de imediato o Plano de Atendimento 
Individual e Familiar, que deverá conter objetivos, estratégias e ações a
 serem desenvolvidos, tendo em vista a superação dos motivos que levaram
 ao afastamento do convívio e o atendimento das necessidades específicas
 de cada situação.
Esse plano terá de ser feito em parceria com o Conselho Tutelar e, 
sempre que possível, com a equipe interprofissional da Justiça da 
Infância e da Juventude. O plano deverá incluir estratégias para 
desenvolvimento saudável da criança e do adolescente durante o período 
de acolhimento, com encaminhamento, se necessário, para serviços de 
saúde, educação, assistência social, esporte e cultura, além do 
acompanhamento da situação escolar, preparação para o mundo do trabalho e
 outros. O plano de atendimento também deverá priorizar medidas para 
reintegração familiar.
Acompanhamento da família original
O acompanhamento da situação familiar deverá ser iniciado 
imediatamente após o acolhimento, para que a equipe técnica possa, no 
menor tempo possível, avaliar a adequação da medida protetiva de 
acolhimento. Crianças e adolescentes que já estiverem recolhidos também 
deverão ter o acompanhamento da situação familiar.
Durante o período de acolhimento, o serviço deverá encaminhar 
relatórios para a Justiça da Infância e da Juventude, com periodicidade 
mínima semestral, para subsidiar o acompanhamento da situação 
jurídico-familiar de cada criança ou adolescente.
O acompanhamento das famílias poderá usar instrumentos como estudo de
 caso, entrevista individual e familiar, grupos com famílias, visita 
domiciliar, orientação individual — em grupo ou familiar — e 
encaminhamento de familiares à rede de apoio, para tratamentos e 
serviços como psicoterapia, tratamento de uso, abuso ou dependência de 
álcool e outras drogas, outros tratamentos na área de saúde, além de 
ações voltadas à geração de trabalho e renda e educação de jovens e 
adultos.
Articulação
Para o atendimento e acolhimento de crianças e adolescentes e de suas
 famílias, o marco regulatório prevê articulação intersetorial do plano 
nacional com o Sistema Único de Assistência Social (Suas), com o Sistema
 Único de Saúde (SUS) e com o sistema educacional. Também poderão 
participar da articulação os serviços de acolhimento, o Poder 
Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Conselho 
Tutelar.
Projeto político-pedagógico
Os serviços de acolhimento deverão elaborar um Projeto 
Político-Pedagógico (PPP), que será revisto anualmente, destinado a 
orientar a proposta de funcionamento do serviço como um todo, tanto no 
que se refere ao seu funcionamento interno, quanto ao relacionamento com
 a rede local, as famílias e a comunidade.
O projeto de lei traz ainda parâmetros e diretrizes para seleção, 
acompanhamento, capacitação e formação continuada de todos os 
profissionais do serviço de acolhimento. São eles: abrigo institucional;
 casa-lar; família acolhedora; e república, cada um com objetivos e 
especificidades diferenciadas.
A criança ou adolescente ameaçados de morte poderão, de maneira 
excepcional, ser acolhidos em abrigos fora de seu município de 
residência, para evitar riscos à segurança do atendido.
Em todos os casos, os serviços de acolhimento que atendam crianças e 
adolescentes ameaçados de morte deverão atuar em articulação com 
programas específicos de proteção, como o Programa de Proteção à 
Criança e ao Adolescente Ameaçado de Morte. Nesses casos, o 
encaminhamento para o serviço de acolhimento deve ser considerado apenas
 quando esgotadas alternativas que preservem seus vínculos familiares, 
como, por exemplo, a mudança de contexto domiciliar ou de cidade, 
acompanhado da família, de familiar ou de responsável.
O projeto determina, ainda, que a situação de todas as crianças e 
adolescentes já acolhidos deverá ser revista, de modo a garantir que 
todos estejam em acompanhamento.
| Princípios e diretrizes da Política Nacional de Acolhimento de Crianças e Adolescentes | |
|---|---|
| 
O afastamento familiar deve ser uma medida excepcional | 
Todos os esforços devem ser empreendidos para manter o   convívio com
  a família nuclear ou extensa, em seus diversos arranjos, a fim   de  
garantir que o afastamento da criança ou do adolescente do contexto    
familiar seja uma medida excepcional, aplicada apenas nas situações de  
grave   risco à sua integridade física ou psíquica. Devem ser  
considerados o melhor   interesse e o menor prejuízo para o  
desenvolvimento da criança. | 
| 
O afastamento deve ser provisório | 
Quando o afastamento do convívio familiar for a medida   mais  
adequada para se garantir a proteção da criança e do adolescente,    
esforços devem ser empreendidos pelo conjunto de órgãos públicos  
envolvidos   em sua proteção para viabilizar, no menor tempo possível, o
  seu retorno   seguro ao convívio familiar, prioritariamente na família
  de origem, e,   excepcionalmente, em família substituta, sob as  
modalidades de adoção, guarda   e tutela. A reintegração deverá ocorrer 
 em até dois anos preferencialmente. | 
| 
Vínculos familiares e comunitários devem ser preservados e   fortalecidos | 
Os serviços de acolhimento devem preservar e fortalecer   vínculos  
familiares e comunitários das crianças e dos adolescentes atendidos.    
Crianças e adolescentes com vínculos de parentesco não devem ser  
separados ao   ser encaminhados para serviço de acolhimento, salvo se  
isso for contrário a   seus interesses ou se houver claro risco de  
violência. | 
| 
Respeito à diversidade e não discriminação | 
A organização dos serviços deverá garantir proteção e   defesa a toda
  criança e a todo adolescente que precisem de acolhimento,   devendo 
ser  combatidas quaisquer formas de discriminação de crianças e 
adolescentes    atendidos em serviços de acolhimento, e das famílias de 
origem,  baseadas em   condição socioeconômica, arranjo familiar, raça, 
cor,  etnia, religião,   nacionalidade, sexo, gênero, orientação sexual e
  identidade de gênero, ou,   ainda, por serem pessoas com deficiência, 
 que vivam com HIV ou AIDS ou outras   necessidades específicas de 
saúde. | 
| 
Atendimento personalizado e individualizado | 
Toda criança e todo adolescente têm o direito de usufruir   de um  
ambiente que favoreça seu processo de desenvolvimento, que lhe ofereça, 
   prioritariamente, segurança, apoio, proteção e cuidado. Atendimento 
em    pequeno grupo e com espaços privados para os atendidos. Respeito à
    individualidade e à história de vida do jovem. | 
| 
Liberdade de crença e religião | 
A liberdade religiosa de crianças e adolescentes deve ser    
respeitada tanto pelo serviço de acolhimento quanto por aqueles com os  
quais   venham a manter contato em razão de seu acolhimento. Nenhuma  
criança ou adolescente   deverá ser incentivado ou persuadido a mudar  
sua crença religiosa enquanto   estiver sob acolhimento. | 
| 
Respeito à autonomia da criança e do adolescente | 
Criança e adolescente sob acolhimento devem ter assegurado   o  
direito de ter sua opinião considerada na tomada de decisões sobre sua  
  situação própria, respeitado seu processo de desenvolvimento.  
Fortalecimento   gradativo da autonomia da criança e do adolescente, com
  oportunidade de   participar da organização do próprio cotidiano em  
acolhimento, por meio do   desenvolvimento de atividades, tais como a  
organização dos espaços de   moradia, limpeza, programação das  
atividades recreativas, culturais e   sociais. | 
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)


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