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segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

1ª senadora tetraplégica do Brasil, Mara Gabrilli quer ser guardiã das minorias

Mara Gabrilli, 51, é uma das poucas pessoas com carreira política no país atualmente que tem também apelo de grande personalidade. Por onde passa com sua cadeira motorizada e sempre ao lado de uma auxiliar —fundamental para tirar os longos cabelos dos olhos ou para levar comida à boca—, é parada para tirar fotos, ganhar beijos, receber afagos e pedidos.

Se não pode mexer a contento os braços para um abraço, devido à tetraplegia, ela se esmera para manter um sorriso. O carisma foi sem dúvidas um dos elementos para conseguir amealhar 6,5 milhões de votos, ganhando uma vaga no Senado Federal por São Paulo, feito inédito para uma pessoa em sua condição física no país.

Depois de eleita, Mara (PDSDB) tem ensaiado aproximação com o futuro presidente Jair Bolsonaro, sobretudo em questões que mexem com direitos humanos e minorias, o que pretende seguir fazendo.
Em entrevista exclusiva ao blog, em homenagem ao Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3/12), Mara, que foi também recentemente eleita como membro de um dos comitês sociais das Nações Unidas, falou sobre poder, sobre educação inclusiva e sobre o governador eleito João Doria.
Você se tornou a pessoa com deficiência com maior poder político no Brasil. O que isso significa pessoalmente e para as pessoas que representa?
Sempre tive um sentimento de grande responsabilidade, mas que agora se multiplicou muito. Ainda estou fascinada pela confiança das pessoas em mim. Estou com uma inquietação positiva de tudo o que vamos conseguir fazer, de melhorar a situação das pessoas com deficiência. Imagino a possibilidade de acabar com a fila de espera por uma cadeira de rodas no país para a dar chance às pessoas recomeçarem suas vidas com dignidade. O fato de eu ser uma pessoa com deficiência com uma história de sucesso física, de saúde, de bem-estar, mostra que é muito possível para qualquer outro atingir sucesso, basta que haja oportunidade e minha posição é a de buscar essas oportunidades para os outros.

Os ministros que estão sendo escolhidos também me trazem esperança. Me refiro ao Mandetta [Luiz Henrique, da Saúde], ao Sergio Moro [Justiça] e ao Osmar Terra [Cidadania] que tem um compromisso forte com a assistência social. Até por conta do cargo que fui eleita na ONU [membro do comitê mundial da pessoa com deficiência], cujo mandato começa também em 2019, acho que a gente pode promover uma transformação mundial.
Você tem aparecido como interlocutora e de grupos sociais diversos diante do novo governo de Bolsonaro. Parte das pessoas desses grupos teme por medidas hostis às suas causas. Pretende seguir com essa postura?
Me sinto quase que na responsabilidade de ser uma guardiã de um público que não é ouvido. Aprendi isso fazendo política pública para pessoas com deficiência e isso acabou consagrando uma forma de trabalhar, com um olhar para quem é discriminado, excluído, esquecido, sem oportunidade. Ouço a sociedade o tempo todo, desde o começo, quando abri uma ONG, e vou continuar tentando buscar soluções e oportunidades. Me coloco mesmo à disposição dos negros, dos LBGTis, das mulheres e de outros que aparecem no dia a dia no Congresso.
Um desse grupos são as pessoas com doenças raras, que ainda enfrentam entraves básicos, como acesso a medicamentos. Eles terão prioridade?
Acredita-se que no Brasil há 15 milhões de pessoas com doenças raras, sendo que cerca de 70% delas acabam desenvolvendo algum tipo de deficiência. Muitos nem acesso a medicamento têm porque não tiveram diagnóstico ou porque não existe um remédio, um tratamento. Infelizmente, por mais que tenhamos uma portaria [199, do Ministério da Saúde] que defenda essas pessoas, só o que tem funcionado mesmo é a judicialização. Claro que é preciso mais recurso, mas há um problema de gestão. Quando há uma decisão judicial que obriga a compra de um medicamento a uma pessoa, o laboratório ganha quase a mesma coisa que ganharia estando distribuindo remédios para quase todos os que precisam. O futuro ministro da Saúde já me pediu para ajudá-lo a fazer um levantamento sobre as demandas das pessoas com doenças raras. Ele quer transformar essa área no ministério.

O MEC resolveu fazer uma revisão da política de educação inclusiva no Brasil, ampliando o alcance da escola especial, o que tem gerado insatisfação por parte das pessoas. Como tem acompanhado isso?
Essa revisão está preocupando muita gente. Fiz uma audiência pública sobre o tema, que juntou pessoas com pensamentos diferentes, o que é ótimo. Anos atrás não haveria um nível tão alto de discussão. Claro que temos de buscar consenso, mas há avanços. Pedi muito ao MEC para ampliação do tempo da consulta pública, mas só aumentaram dois dias. Há muita paixão no tema e está virando um nós contra eles, mas grosso modo, todos querem melhorar a qualidade da educação. Sou sempre a favor de multiplicar possibilidades e não de diminuir. Para mim, não importa muito onde a educação será feita, se na escola, no clube, na fazenda, na igreja. Onde estiver sendo feita, precisa de qualidade, com instrumentos para isso. Fico com muito medo de retrocessos, mas por outro lado estou satisfeita porque é um debate de alta qualidade. Vou acompanhar o resultado.

O que se pode esperar, em relação à inclusão, do governador eleito João Doria (PSDB) e da futura secretária da Pessoa com Deficiência do Estado, Célia Leão [atual deputada estadual, não reeleita]?
Tanto o João Doria para mim como eu para o João Doria foram grandes surpresas. Tivemos muita interação durante a campanha, embora tenhamos também grandes diferenças. Ele tem uma sensibilidade pelo tema da inclusão e vai colocá-lo como destaque. Ele se dá a abertura de ouvir para tentar melhorar suas opiniões. O pai dele [João Agripino da Costa Doria] viveu numa cadeira de rodas nos últimos anos de vida. Na prefeitura, ele até chegou a cogitar fechar a secretaria da pessoa com deficiência, mas mudou de ideia. Isso não aconteceu agora, no governo. Já a Célia, é uma pessoa que sabe como poucos fazer costuras no ambiente político, com uma grande visão humana. Ela está muito entusiasmada para trabalhar, e há muito o que melhorar no que diz respeito à rede Lucy Montoro, que precisa ser ampliada. O Doria já disse que fará mais 20 unidades. A rede é boa, mas precisa melhorar, ser aberta para mais pessoas.

O acesso à equipamentos de auxílio à pessoa com deficiência ainda é problemático no país. Pretende enfrentar isso?
Tratar dessa questão foi uma das minhas propostas de campanha para a ONU. A ideia é fazer acordos bilaterais entre Estados partes para a desoneração das tecnologias assistivas. Dá para oferecer produtos nossos para outros países e trazer equipamentos de fora em troca de isenções tributárias. Isso vai melhorar a vida de muitas pessoas. Um outro ponto que estamos estudando é nos inspirar no modelo americano, que credencia lojas que vão fazer a distribuição de equipamentos. O usuário pode chegar com um voucher, dado pelo governo a partir do direito daquela pessoa, e escolher o que é melhor para ela. Se ela quiser um modelo de cadeira de rodas mais cara, por exemplo, superior ao valor dado, ela arca com a diferença. Hoje esse direito de escolha praticamente não existe. É restrito. Isso qualifica a vida das pessoas. O incentivo e financiamento à produção científica local, principalmente nas universidades, também é inquestionável.

A Lei Brasileira de Inclusão [Mara foi a relatora e uma das idealizadoras] parece pegar em sociedade, embora ainda falte regulamentação. O que esperar da maturidade desse instrumento?
Espero aprimoramento e não espero que haja retrocessos em regulamentação. Às vezes, chegam textos que querem limitar os aspectos da lei. Lembro que um grupo de pessoas, durante a campanha, liderado por Mizael Conrado [presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro, que é cego], esteve com o presidente eleito Jair Bolsonaro e conseguiu dele o compromisso de dar seguimento à lei. Vamos estar atentos e seguir fazendo audiências e consultas públicas para regulamentar tudo da melhor forma.

Sonha em ser prefeita de São Paulo?
Não tenho esse sonho, mas não nego que sonho que um dia vou ver as calçadas de São Paulo serem totalmente acessíveis, iguais a outras cidades do mundo, como Tóquio, no Japão. Vislumbro isso desde que comecei a me candidatar. Claro que sonho com uma cidade que seja exemplo para o resto do país e para o mundo, com muita tecnologia de auxílio à pessoa com deficiência, com sinais sonoros nas esquinas para auxiliar os cegos, com edificações muito acessíveis. Mas, principalmente, sonho com uma educação e saúde de qualidade para todas as pessoas. O fato de eu ter tido boas oportunidades na vida, por poder ter estudado, feito duas faculdades antes do meu acidente, me trouxe resiliência para lidar com a crise. Quando parei de falar, de respirar, de andar, a minha paz interna eu consegui para prosseguir com a educação que recebi ao longo da minha vida. Informações assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br

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