Quem olha para a vietnamita Kim Phuc hoje e, sem ouvir a sua
história, vê aquele sorriso permanente no rosto, não imagina tudo o que
ela passou desde 8 de junho de 1972. Essa foi a data em que sua pele
ardeu em chamas após o exército do Vietnã do Sul, com o apoio dos
Estados Unidos, lançar bombas de Napalm – material altamente inflamável –
em seu vilarejo que estava ocupado por homens da tropa do Vietnã do
Norte.
Kim lançou a tradução de sua autobiografia “Fire Road: The Napalm
Girl’s Journey through the Horrors of War to Faith, Forgiveness, and
Peace”, durante o Encontro Literário Ide, que aconteceu junto da Expo
Cristã, em São Paulo, a maior feira gospel da América Latina. A versão
brasileira, publicada pela editora Mundo Cristão, leva o nome “A menina
da foto – Minhas memórias: do horror da guerra ao caminho da Paz”.
Durante o Encontro Kim contou um pouco de sua história.

Três
dias após o ataque, Kim foi levada ao Hospital Infantil em Saigon, mas
chegando lá foi desenganada pelos médicos. A dor das queimaduras,
segundo Kim, era tanta, que sua consciência ia e voltava, sem que ela
tivesse forças para falar ou dar sinais de vida, o que fez com que, por
erro médico, ela chegasse a ser levada ao necrotério. Se não fosse a
ajuda do fotógrafo Nick Ut, da Associated Press, que foi quem fez a
emblemática foto, talvez ela nem tivesse chegado ao hospital. “Agradeço
humildemente a ele, por ter ido além do seu dever”, conta Kim. A pedido
do tio de Kim, Nick colocou a menina em uma van junto com as outras
crianças que iam a Saigon e assim ela teve chances de sobreviver.
No necrotério, Kim diz que ficou deitada na maca até que sua mãe veio
ao seu encontro. Triste pela suposta perda da filha, ela pegou a menina
no colo e chorou. Então uma enfermeira apareceu e lhe perguntou quem
era Dahn. A mãe de Kim respondeu que era o primo de apenas três anos que
havia morrido no bombardeio dias antes. A enfermeira contou que a
menina havia chamado pelo primo há alguns dias e quando sua mãe
sussurrou “ele morreu”, Kim lembra de recobrar a consciência e se virar.
Foi o início de sua luta para voltar à vida.
A mãe de Kim saiu pelos corredores em busca de um médico e então
começaram o procedimento para cuidar da pele dela. Era um milagre que
após quatro dias com graves queimaduras, ela ainda estivesse viva. Foi
necessária uma transfusão de sangue, vários banhos para remoção da pele e
a preparação para a primeira das 16 cirurgias que ela faria nos
próximos meses. Kim passou mais de um ano no hospital e a convivência
com os médicos a fez desejar seguir a mesma profissão. Durante toda a
vida, ela passou por cerca de 20 procedimentos cirúrgicos.
Usada pelo governo
Ao chegar à adolescência Kim tentou por diversas vezes fugir do
Vietnã diante da situação em que seu país se encontrava. Todas as
tentativas foram frustradas, ela era encontrada e tinha que voltar para
casa. Em 1982 a jovem concluiu o Ensino Médio e então começou a se
preparar para ingressar na faculdade de medicina. Mas foi durante o
curso preparatório, que Kim foi procurada por oficiais vietnamitas. Era o
aniversário de 10 anos de sua emblemática foto e jornalistas estavam
interessados em saber o que havia acontecido a menina da imagem. Kim se
tornaria um produto para o país.
A partir do momento em que foi encontrada pelo regime comunista, Kim
perdeu sua liberdade. A vida que não havia sido fácil até então, iria se
tornar mais complicada ainda, quando ela passou a ser vigiada
constantemente por oficiais do exército do Vietnã e foi feita menina
propaganda da guerra. Frequentemente convocada a dar entrevistas, os
estudos de Kim eram prejudicados por conta de sua agenda e seu sonho
estava ameaçado. “De todos os civis feridos na Guerra do Vietnã, porque
eu precisava ser a escolhida para transmitir a mensagem antiguerra,
antidemocracia e anti-Estados Unidos?”, lembra ela em seu livro.
Meses depois Kim foi forçada a sair da universidade. Soube pela
direção da instituição que “seu tempo ali havia acabado”. Era uma
resposta a todas as vezes em que a jovem havia tentado se opor às
entrevistas que concedia. Sua família também chegou a ser ameaçada.
A conversão ao cristianismo
A família de Kim sempre foi do Caodaísmo, uma religião fundada no sul
do Vietnã. Mas foi em um sábado, quando estava tentando se esconder dos
oficiais do exército, em uma biblioteca, que ela encontrou uma Bíblia.
“Abaixei perto de uma pilha de livros e puxei vários títulos religiosos e
entre ele estava uma Bíblia”, conta. “Comecei a folheá-la e em uma hora
havia examinado todos os evangelhos. Guardei na memória vários
questionamentos sobre o que li, com medo de escrever em um papel e ser
pega”, completa.
No livro de João, Kim foi confrontada com um Jesus que até então
desconhecia. Segundo ela, no Cao Dao ela ouviu falar que Jesus era mais
um profeta entre tantos, mas ali ela estava lendo sobre alguém que era
“a Verdade e a Vida”, que além de tudo havia sofrido por um propósito e
que teve seu corpo marcado por cicatrizes.
Os questionamentos de Kim sobre quem era Jesus e o que a fé poderia
fazer em sua vida só foram respondidos quando o primo do primeiro esposo
da irmã de Kim a ajudou. Ele era pastor auxiliar em uma igreja cristã
próxima e durante uma visita à família desta irmã de Kim, ela conheceu
mais sobre Jesus.
No Natal de 1982 Kim se converteu ao Cristianismo. Segundo conta, a
fé em Jesus Cristo foi fundamental para ela compreender tudo o que havia
vivido até então e ver um propósito em sua vida. Desde então, sua forma
de viver mudou de muitas maneiras. Ela, que achava que nunca viveria um
grande amor por causa das marcas que carregava em sua pele, conheceu um
rapaz em Cuba e se casou. Ela viveu alguns anos naquele país, quando o
governo vietnamita a liberou para estudar fora.
Hoje, aos 55 anos, Kim vive no Canadá com seu marido Toan, seus
filhos e um neto. Ela fundou uma ONG, a KIM Foundation International,
para ajudar crianças que vivem os horrores das guerras e lhes fornece
tratamento e próteses. Sua fundação também patrocina a construção e
manutenção de hospitais, orfanatos e escolas. Kim também é embaixadora
da boa vontade da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência
e Cultura (Unesco). semprefamilia
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