Sentado em uma cadeira no museu que leva seu nome, em Santos (78 km de São Paulo), Pelé,
78, assiste à procissão. É uma romaria de gente que espera horas pela
chance de vê-lo, solicitar autógrafo ou uma foto. Os pedidos não param,
mesmo que seu fiel escudeiro e assessor Pepito Fornos tente impedir.
Quatro décadas após ter parado de jogar, Pelé continua reverenciado, e sua presença, requisitada. A saúde, debilitada por três cirurgias nos últimos anos, o impediu de viajar para a Rússia na Copa. Promete estar no Qatar, em 2022. Será sua última, avisa.
O rei divide o tempo entre fisioterapia, família e jogos de futebol na televisão, seu passatempo atual.
Ainda tem espaço na agenda para compromissos profissionais com
patrocinadores e a Fundação Pelé, criada para arrecadar recursos para
projetos direcionados a crianças carentes (“ajudem as crianças
desafortunadas”, ele pediu ao fazer o milésimo gol, em 1969).
Pelé afirmou à Folha que o Brasil precisa apoiar o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e falou sobre sua condição física. “Não sinto mais dor, sinto mais fraqueza.”
Tem uma pergunta que todo mundo quer saber. Como está a saúde do Pelé? Graças
a Deus, estou bem. Fiz três cirurgias nos últimos anos, mas não estou
100%. Não sinto mais dor, sinto mais fraqueza. Eu tinha umas pernas
bonitas, olha como estão agora [aperta as coxas por cima da calça]. Tive
de fazer duas [cirurgias] no quadril, uma na coluna porque houve desgaste. Também tem o joelho. Até brinquei. Disse que joguei futebol por 30 anos, 25 no Santos e cinco no Cosmos. Deus só mandou a conta agora. Nos 30 anos de futebol não tive contusão. Mas já estou até dando pique no lugar (risos).
Não ter ido para Copa foi estranho para o senhor, que esteve em todos os Mundiais desde 1958? Estava tudo certo, tudo programado. Precisei descansar.
Parece que o senhor diminuiu as viagens. É difícil para alguém que viajou muito a vida inteira ficar em casa?
Ficar muito em casa é difícil. Nem no Santos era assim. É recomendação
médica. Houve a correção da primeira cirurgia e a troca da cabeça do
fêmur. Isso me debilitou um pouco. Quando fui fazer a segunda foi pior
ainda. Então, há quase um ano estou mais calmo. Apesar de tudo isso,
viajei pra chuchu porque tenho contratos para cumprir. Estive na Índia,
nos EUA, na África, na Europa.
No próximo Mundial quero ir e assistir, se Deus quiser. Vou pendurar a
chuteira para poder ficar em casa e aproveitar a família. Meus filhos
estão todos adultos. Brinquei com o Tite:
“se você continuar de treinador da seleção, a próxima Copa vai ser a
última que vou jogar. Depois disso, não me convoca mais”.
Em algum momento ficou com medo de morrer? Tenho receio, né? De vez em quando você fica meio preocupado. Senão ninguém tomava remédio. Eu fiz a cirurgia
e não recuperava, não recuperava. Forcei demais a perna esquerda,
complicou meu joelho. Estava falando: “pô, já paguei a pena”. Forcei o
joelho e tive de ir no médico ver o ligamento. Faço fisioterapia e em
duas semanas vou deixar a bengala. Mesmo sem ser mais atleta, ainda
estou pagando a conta.
Você viu a última Copa? O que achou da seleção? A crítica foi injusta à seleção. Na minha maneira de entender, a equipe não se conhecia tanto assim, não estava tão formada. Tivemos o azar de perder. Se tivesse vencido, tudo passava batido. Isso é coisa do futebol.
Ficou muito marcada na Copa a atuação do Neymar. Ele foi muito criticado e ironizado por se jogar. Sem dúvida. De vez em quando, troco ideia com o pai dele. Encontro para gravar comerciais. Ficou difícil defender o Neymar por todas essas coisas que ele faz além de jogar futebol. E eu conversei com ele, disse que futebol ele tem.
Ele deu azar porque a seleção não ganhou a Copa e ele ficou marcado.
Estive duas vezes com ele na Europa, a gente conversou e eu expliquei
isso. “Pô, futebol Deus te deu o dom. O que você fez é que complicou.”
A seleção vai completar 20 anos sem ganhar a Copa em 2022.
Está perto do seu maior jejum sem títulos mundiais, que é de 24 anos
[entre 1970 e 1994]. O Brasil não é mais tão bom assim ou os outros
estão melhores? Que os outros melhoraram, não tem dúvida. Eles aprenderam com a gente.
Mas você ainda acha que o Brasil é o melhor no futebol? Sem dúvida. Tanto que a preocupação de jogar contra a seleção brasileira é a mesma. O Brasil tem uma base que todo mundo respeita. O que tem de acontecer é não desperdiçar o respeito que o resto do mundo tem com a gente.
O Pelé ainda para para ver jogos na TV no final de semana? É meu passatempo. De vez em quando me aborreço.
Aborrece por quê? Porque tem jogada que a gente vê e
acha fácil sentado no sofá em casa. Por que não fez isso? Não fez
aquilo? Mas sentadinho lá. Dentro do campo é diferente. De vez em
quando, procuro ver as partidas, principalmente da Europa, que a gente
não conhece muito. Estava falando com o meu irmão e ele me perguntou:
“você se lembra do nome de alguns jogadores da Alemanha, da Itália,
Tchecoslováquia”? Falei “me lembro”. “Não do seu tempo, da última Copa”,
ele questionou. Eu não lembro.
Até o Brasil está meio difícil escalar o time. Isso foi uma coisa que
me chamou a atenção nos jogos. Aquele registro da seleção. Está uma dificuldade para saber o goleiro. Até na brincadeira na rua ninguém sabe direito quem é o goleiro da seleção.
No ano passado e neste, dois jogadores de 17 anos, o Vinícius Júnior e o Rodrygo,
foram vendidos para o Real Madrid por um total de quase R$ 400 milhões.
O senhor acha loucura? Quanto valeria um Pelé de 17 anos hoje em dia? A mesma coisa, mas depende do momento de cada um. Eu não saí porque não quis. O Santos teve duas ou três propostas.
[Mostra uma montagem de foto dele com o atacante francês Mbappé]. Os caras estão me comparando com o Mbappé.
É parecido, né? Mas ele já tem 19. Ele ganhou a Copa. Isso me mandaram
mais de sacanagem, mas ele estava me homenageando. Pô, faz 40 anos que
parei de jogar. Não sei onde arrumaram esta foto porque estamos
parecidos, quase com a mesma idade. Acho que Neymar é mais jogador que
ele, mas na Europa todo mundo fala mais do Mbappé.
Como o senhor usa rede social? Quando sou chamado,
respondo. Quase não uso. Esse negócio do Mbappé não existia antes. O
cara lá na Europa manda coisa por esse danadinho sem fio. É um mundo
novo. Ainda sou analfabeto nisso.
Há pessoas importantes do futebol atual, como Iniesta e Xavi, que falam que o Messi é o melhor jogador da história. Como reage a isso? Normal. Se eles acham... Questão de gosto. Há pessoas que acham isso. Tem gente que faz comparação
com coisa que nem tem. Como pode fazer comparação de um cara que
cabeceia bem, chuta com a esquerda, chuta com a direita, com outro que
só chuta com uma perna, só tem uma habilidade, não cabeceia bem? Como
pode comparar? Para comparar com o Pelé tinha de ser alguém que chutasse
bem com a esquerda, chutasse bem com a direita, fizesse gol de cabeça.
Então não concorda com a opinião deles. Eu não fiz
mais gols de cabeça que o meu pai. Não adianta querer justificar. Ele
fez, eu não fiz. Tem excelentes jogadores, excelentes mesmo que não
tiveram a mesma chance de aparecer. Para mim, o Maradona
foi um dos melhores que teve. Você vai me perguntar: ele foi melhor que
o Messi? Foi, pô. Muito melhor. Teve Beckenbauer, Cruyff. Jogadores
excelentes também.
O senhor já teve problemas com o Maradona, discussões públicas. Em 2017, vocês se encontraram em Moscou durante o sorteio dos grupos para a Copa. Teve até uma foto dele beijando sua cabeça. Como está a relação com ele hoje em dia? Perfeita.
Eu tenho de agradecer a Deus porque é impressionante que os
ex-jogadores, os jogadores, os que estão aparecendo agora me respeitam,
me mandam abraço. É impressionante.
Naquele sorteio foi a primeira vez que o senhor apareceu com
cadeira de rodas. Lhe incomoda essa imagem, estar numa cadeira de rodas? Eu quero atender os meus compromissos. Não tenho nenhum problema com isso. Só não quero perder a consciência.
O Pelé vai se aposentar um dia? Todas as Copas eu tenho 500 convites comerciais, para comentar, para trabalhar.
Nesses três anos até a próxima Copa eu vou sossegar e só vou viajar
quando eu quiser para ver o jogo. Não vou para trabalhar. Graças a Deus,
convite não falta. Prometo a vocês. Na próxima Copa, se eu for, vou
para passear e assistir aos jogos.
O senhor sempre foi muito preocupado com o Brasil como país. Como vê o futuro próximo do país? Estava conversando na Itália com um amigo do Fernando Henrique [Cardoso] que falou que naquela época [governo FHC de 1995 a 2002] não tinha tanta confusão no país. Fui ministro do Esporte.
Tem coisa que a gente nem percebe, mas o cara lá da Europa veio falar
isso e eu não sou político nem nada. O que deixa a gente triste no
Brasil é essa confusão toda. É triste ver o Brasil como está hoje. Você
vê a responsabilidade do Edson. O cara lá de longe veio dizer que no
tempo que eu era ministro do FHC não tinha essa bagunça toda.
Votou neste ano? Eu não votei porque estava fora do país. Acho que foi bem escolhido. A gente tem que dar apoio para que dê tudo certo para o governo que está sendo montado. Chegou o momento em que tinha de ser assim. Tem de acreditar.
O Brasil está bem dividido, né? Infelizmente. O problema é esse. Está dividido. Não deveria estar assim. Informações www1.folha.uol.com.br