O apresentador e empresário Luciano Huck diz não enxergar nas propostas
do presidente eleito Jair Bolsonaro “um projeto de País”. Embora afirme
que Bolsonaro “não enganou ninguém” durante a eleição e defenda um voto
de confiança no futuro presidente, Huck cobra um plano de redução da
desigualdade para o País “não ficar andando de lado para sempre”. O
apresentador já admitiu que não tem mais como sair da “caixinha” da
política, onde entrou quando passou a ser cotado como um potencial
“outsider” na disputa presidencial deste ano. Após muitas especulações,
ele não aceitou entrar na arena eleitoral. Nesta entrevista ao Estado,
Huck admite que centro está convergindo para um novo partido e comenta
as acusações contra o senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
Em entrevista recente ao ‘Estado’, você disse que não
conseguiria mais voltar "para a caixinha que estava". Qual será seu
próximo passo na política? Vai se filiar a algum partido?
Minhas
intenções não mudaram. Minhas movimentações nesse último ano e meio
nunca foram um projeto político, pessoal, uma coisa personalista no
sentido de algo que eu estivesse fazendo ao meu favor. Desde o começo
foi uma convocação geracional. E eu acho que ela segue sendo assim.
Estou há 19 anos viajando o País muito intensamente – de todos os cantos
e todos os recortes. Isso ninguém tira de mim. Você pode fazer mestrado
em Harvard, mas isso você não vai aprender. E o que me incomoda, há
algum tempo e de maneira bem franca, é a desigualdade que a gente tem no
País. Então se a gente não tiver um projeto claro e bem desenhado de
redução de desigualdades esse País vai ficar andando de lado pra sempre.
Acho super legal as iniciativas do terceiro setor e de filantropia. Por
outro lado, só quem vai ter o poder, de fato, de reduzir a desigualdade
no País é o Estado. Quem toca o Estado é a política.
O tema da desigualdade passou ao largo na última campanha...
Acho
que ficou muito claro nessa eleição que as pessoas estavam sedentas por
coisas novas. Acho que o Bolsonaro é a cristalização, a materialização
desse inconformismo, dessa descrença da política como um todo. Mérito
dele. Está eleito presidente. Mas eu não enxerguei na campanha como um
todo, de todos os candidatos, e sigo não enxergando, um projeto de País.
Eu não consigo ver. A gente fica discutindo aqui a fiação e o
encanamento, mas não as reformas estruturais necessárias, que todos
concordam, e que são necessárias para o País não quebrar. Mas são
discussões de calculista. Não enxergo qual é o projeto de País. E
nas agendas que dependem da crença pessoal do Bolsonaro, ele também não
está mentindo. A chancelaria, por exemplo, eu posso não concordar. A
educação, que quando ele chegou a aventar o nome do Mozart (Neves Ramos), eu disse “caramba bicho!” eu vou festejar o Bolsonaro... Mas, não, ele foi para um caminho que é o que ele pensa.
Não enxerga um projeto de País no futuro governo Bolsonaro?
A
gente vive em uma democracia. Ele ganhou a eleição. A eleição está
ganha. Ele vai fazer o governo dele com as coisas que ele acredita. Eu
acho de verdade que, nesse momento, não é para fazer oposição. Eu acho
que a gente tem que dar um voto de confiança para quem ganhou. A beleza
da democracia é que a votação é individual, mas a responsabilidade pelo
resultado é coletiva. Ele ganhou a eleição legitimamente. Não é hora de
fazer oposição. É hora de ter diálogo, é hora de conversar. Não acho que
o Bolsonaro enganou ninguém. Ele está fazendo exatamente o que falou
que ele ia fazer. A equipe econômica é uma equipe extremamente
competente, liberal, com uma cabeça boa, comprometida e com nomes muito
bons, começando pelo Paulo (Guedes) de quem eu tenho muito respeito e gosto.
Mas você vê no Bolsonaro um projeto de País?
Eu
acho que não. E não estou falando isso como uma coisa negativa. Acho
que ele não teve nem tempo. Ele ganhou a eleição agarrado no cangote,
com 7 segundos de televisão, sem dinheiro... Ganhou na raça e na marra.
Eu não acho que ele tenha um projeto de País, mas as pautas com as quais
ele ganhou a eleição, ele vai poder atuar. O Sérgio Moro, de quem eu
gosto e tenho muito respeito, acho que ele tem várias funções nesse
governo. Primeiro, para quem colocava em xeque a democracia, sob o ponto
de vista das coisas que o Bolsonaro disse no passado... o Sérgio Moro é
um legalista. Quando você põe um legalista como ministro da Justiça com
o poder que ele tem, está claro que as leis serão seguidas. E do outro
lado, uma agenda liberal na economia que ele pode fazer virar realidade.
Precisa de uma agenda eficiente por um lado, mas ela tem que ser
afetiva. Se você não tiver uma agenda social muito focada, com
prioridades claras, o País vai continuar sendo desigual. A redução de
desigualdade é um problema enorme e de solução complexa. Precisa ser
prioridade, mas acho que não vai ser nesse caso.
Em pautas como flexibilizar o estatuto de desarmamento, Escola sem Partido e meio ambiente, há risco de retrocesso?
Vejo
risco de retrocesso. Na educação, vejo. A evolução que a gente teve nos
últimos 20 anos no Brasil chegou em um nível tão bacana que você pega
todos que estudam a educação hoje está tudo meio em um consenso, os
discursos estão meio parecidos. Todo mundo sabe os nossos problemas. O
nosso problema hoje é o de subir o sarrafo da qualidade. Hoje em dia é
qualificar e avaliar professor, é combater evasão escolar, é você fazer
alfabetização no tempo correto, é você transformar a escola no epicentro
da cidade e da sociedade. Está todo mundo nesse caminho. Agora, a
cabeça que o Bolsonaro colocou ali... Para mim, discutir escola sem
partido agora é uma bobagem tão grande.
Como tem lidado com o Fla-Flu da política?
Tem
que ter meio tom. Mas o meio tom não tem que ser um partido político,
do tipo temos que fazer um partido de centro...Eu realmente não tô nessa
página. É muito mais fácil eu ficar na televisão fazendo o meu programa
e ganhando o meu dinheiro do que estar aqui falando desses assuntos com
você. Isso aqui é exatamente fora da minha zona de conforto. O que está
acontecendo comigo é que eu não quero me politizar porque eu não quero
ser político. Eu quero ser um cidadão atuante que, de fato, vai
contribuir para um novo ciclo para o País - trazendo gente, curando
gente, trazendo ideias, rodando o mundo, encontrando soluções. Eu quero
rodar o Brasil e poder criar um ímã potente para atrair gente afim de
fazer diferente. As lideranças, naturalmente, vão aparecer. Dentro desse
contexto, que não é simples, eu não estou preocupando se é de direita
ou de esquerda. Eu quero ver as boas ideias. No final das contas é sobre
como a gente melhora a vida das pessoas, como a gente reduz
desigualdade, como que a gente melhora a questão das favelas, como a
gente distribui renda, como a gente inclui a dona Maria Inajá, uma
analfabeta funcional com 6 filhos, para além do Bolsa Família, como é
que os filhos dela podem ter um futuro... A discussão de como a gente
pode ter um País menos desigual... e não quer dizer que o rico tem que
ficar mais pobre, não, eu só quero que quem esteja embaixo tenha um
nível de decência pelo menos . Eu vou chutar com as duas pernas, acho
que tem boas cabeças dos dois lados. Eu não estou muito preocupado em
tomar um lado não. O meu lado é o lado que faz bem para o País, que faz
bem para todo mundo. Eu sou capaz de criticar o que eu não concordo na
agenda do Bolsonaro e capaz de apoiar as coisas que acho que são
positivas para o País.
O ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso disse recentemente que é preciso criar um ‘centro radical’;
políticos como o Paulo Hartung têm liderado conversas...Esse é o seu
campo político?
Tenho conversado muito com o Paulo. E eu
acho que o que ele fez no Espírito Santo é uma referência importante de
gestão pública para o Brasil. O Hartung tem essa característica de não
levantar bandeiras e de querer juntar gente boa. O presidente Fernando
Henrique, como sempre, é alguém muito lúcido. Acho que essa
reorganização partidária vai ser necessária, por causa da cláusula de
barreira, por causa de uma série de coisas que estão acontecendo. Eu
acho que o centro vai sim se organizar...
Em um novo partido?
Eu
acho que sim. Está convergindo pra isso. Os dois maiores ativos que os
partidos pequenos tinham para sobreviver era tempo de televisão e Fundo
Partidário. Eles perderam. Informações Estadão