Mara Gabrilli, 51, é uma das poucas pessoas com carreira política no
país atualmente que tem também apelo de grande personalidade. Por onde
passa com sua cadeira motorizada e sempre ao lado de uma auxiliar
—fundamental para tirar os longos cabelos dos olhos ou para levar comida
à boca—, é parada para tirar fotos, ganhar beijos, receber afagos e
pedidos.
Se não pode mexer a contento os braços para um abraço, devido à
tetraplegia, ela se esmera para manter um sorriso. O carisma foi sem
dúvidas um dos elementos para conseguir amealhar 6,5 milhões de votos,
ganhando uma vaga no Senado Federal por São Paulo, feito inédito para
uma pessoa em sua condição física no país.
Depois de eleita, Mara (PDSDB) tem ensaiado aproximação com o futuro
presidente Jair Bolsonaro, sobretudo em questões que mexem com direitos
humanos e minorias, o que pretende seguir fazendo.
Em entrevista exclusiva ao blog, em homenagem ao Dia Internacional da
Pessoa com Deficiência (3/12), Mara, que foi também recentemente eleita
como membro de um dos comitês sociais das Nações Unidas, falou sobre
poder, sobre educação inclusiva e sobre o governador eleito João Doria.

Você se tornou a pessoa com deficiência com maior poder
político no Brasil. O que isso significa pessoalmente e para as pessoas
que representa?
Sempre tive um sentimento de grande responsabilidade, mas que agora se
multiplicou muito. Ainda estou fascinada pela confiança das pessoas em
mim. Estou com uma inquietação positiva de tudo o que vamos conseguir
fazer, de melhorar a situação das pessoas com deficiência. Imagino a
possibilidade de acabar com a fila de espera por uma cadeira de rodas no
país para a dar chance às pessoas recomeçarem suas vidas com dignidade.
O fato de eu ser uma pessoa com deficiência com uma história de sucesso
física, de saúde, de bem-estar, mostra que é muito possível para
qualquer outro atingir sucesso, basta que haja oportunidade e minha
posição é a de buscar essas oportunidades para os outros.
Os ministros que estão sendo escolhidos também me trazem esperança.
Me refiro ao Mandetta [Luiz Henrique, da Saúde], ao Sergio Moro
[Justiça] e ao Osmar Terra [Cidadania] que tem um compromisso forte com a
assistência social. Até por conta do cargo que fui eleita na ONU
[membro do comitê mundial da pessoa com deficiência], cujo mandato
começa também em 2019, acho que a gente pode promover uma transformação
mundial.

Você tem aparecido como interlocutora e de grupos sociais
diversos diante do novo governo de Bolsonaro. Parte das pessoas desses
grupos teme por medidas hostis às suas causas. Pretende seguir com essa
postura?
Me sinto quase que na responsabilidade de ser uma guardiã de um público
que não é ouvido. Aprendi isso fazendo política pública para pessoas com
deficiência e isso acabou consagrando uma forma de trabalhar, com um
olhar para quem é discriminado, excluído, esquecido, sem oportunidade.
Ouço a sociedade o tempo todo, desde o começo, quando abri uma ONG, e
vou continuar tentando buscar soluções e oportunidades. Me coloco mesmo à
disposição dos negros, dos LBGTis, das mulheres e de outros que
aparecem no dia a dia no Congresso.

Um desse grupos são as pessoas com doenças raras, que ainda
enfrentam entraves básicos, como acesso a medicamentos. Eles terão
prioridade?
Acredita-se que no Brasil há 15 milhões de pessoas com doenças raras,
sendo que cerca de 70% delas acabam desenvolvendo algum tipo de
deficiência. Muitos nem acesso a medicamento têm porque não tiveram
diagnóstico ou porque não existe um remédio, um tratamento.
Infelizmente, por mais que tenhamos uma portaria [199, do Ministério da
Saúde] que defenda essas pessoas, só o que tem funcionado mesmo é a
judicialização. Claro que é preciso mais recurso, mas há um problema de
gestão. Quando há uma decisão judicial que obriga a compra de um
medicamento a uma pessoa, o laboratório ganha quase a mesma coisa que
ganharia estando distribuindo remédios para quase todos os que precisam.
O futuro ministro da Saúde já me pediu para ajudá-lo a fazer um
levantamento sobre as demandas das pessoas com doenças raras. Ele quer
transformar essa área no ministério.
O MEC resolveu fazer uma revisão da política de educação
inclusiva no Brasil, ampliando o alcance da escola especial, o que tem
gerado insatisfação por parte das pessoas. Como tem acompanhado isso?
Essa revisão está preocupando muita gente. Fiz uma audiência pública
sobre o tema, que juntou pessoas com pensamentos diferentes, o que é
ótimo. Anos atrás não haveria um nível tão alto de discussão. Claro que
temos de buscar consenso, mas há avanços. Pedi muito ao MEC para
ampliação do tempo da consulta pública, mas só aumentaram dois dias. Há
muita paixão no tema e está virando um nós contra eles, mas grosso modo,
todos querem melhorar a qualidade da educação. Sou sempre a favor de
multiplicar possibilidades e não de diminuir. Para mim, não importa
muito onde a educação será feita, se na escola, no clube, na fazenda, na
igreja. Onde estiver sendo feita, precisa de qualidade, com
instrumentos para isso. Fico com muito medo de retrocessos, mas por
outro lado estou satisfeita porque é um debate de alta qualidade. Vou
acompanhar o resultado.
O que se pode esperar, em relação à inclusão, do governador
eleito João Doria (PSDB) e da futura secretária da Pessoa com
Deficiência do Estado, Célia Leão [atual deputada estadual, não
reeleita]?
Tanto o João Doria para mim como eu para o João Doria foram grandes
surpresas. Tivemos muita interação durante a campanha, embora tenhamos
também grandes diferenças. Ele tem uma sensibilidade pelo tema da
inclusão e vai colocá-lo como destaque. Ele se dá a abertura de ouvir
para tentar melhorar suas opiniões. O pai dele [João Agripino da Costa
Doria] viveu numa cadeira de rodas nos últimos anos de vida. Na
prefeitura, ele até chegou a cogitar fechar a secretaria da pessoa com
deficiência, mas mudou de ideia. Isso não aconteceu agora, no governo.
Já a Célia, é uma pessoa que sabe como poucos fazer costuras no ambiente
político, com uma grande visão humana. Ela está muito entusiasmada para
trabalhar, e há muito o que melhorar no que diz respeito à rede Lucy
Montoro, que precisa ser ampliada. O Doria já disse que fará mais 20
unidades. A rede é boa, mas precisa melhorar, ser aberta para mais
pessoas.
O acesso à equipamentos de auxílio à pessoa com deficiência ainda é problemático no país. Pretende enfrentar isso?
Tratar dessa questão foi uma das minhas propostas de campanha para a
ONU. A ideia é fazer acordos bilaterais entre Estados partes para a
desoneração das tecnologias assistivas. Dá para oferecer produtos nossos
para outros países e trazer equipamentos de fora em troca de isenções
tributárias. Isso vai melhorar a vida de muitas pessoas. Um outro ponto
que estamos estudando é nos inspirar no modelo americano, que credencia
lojas que vão fazer a distribuição de equipamentos. O usuário pode
chegar com um voucher, dado pelo governo a partir do direito daquela
pessoa, e escolher o que é melhor para ela. Se ela quiser um modelo de
cadeira de rodas mais cara, por exemplo, superior ao valor dado, ela
arca com a diferença. Hoje esse direito de escolha praticamente não
existe. É restrito. Isso qualifica a vida das pessoas. O incentivo e
financiamento à produção científica local, principalmente nas
universidades, também é inquestionável.
A Lei Brasileira de Inclusão [Mara foi a relatora e uma das
idealizadoras] parece pegar em sociedade, embora ainda falte
regulamentação. O que esperar da maturidade desse instrumento?
Espero aprimoramento e não espero que haja retrocessos em
regulamentação. Às vezes, chegam textos que querem limitar os aspectos
da lei. Lembro que um grupo de pessoas, durante a campanha, liderado por
Mizael Conrado [presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro, que é
cego], esteve com o presidente eleito Jair Bolsonaro e conseguiu dele o
compromisso de dar seguimento à lei. Vamos estar atentos e seguir
fazendo audiências e consultas públicas para regulamentar tudo da melhor
forma.
Sonha em ser prefeita de São Paulo?
Não tenho esse sonho, mas não nego que sonho que um dia vou ver as
calçadas de São Paulo serem totalmente acessíveis, iguais a outras
cidades do mundo, como Tóquio, no Japão. Vislumbro isso desde que
comecei a me candidatar. Claro que sonho com uma cidade que seja exemplo
para o resto do país e para o mundo, com muita tecnologia de auxílio à
pessoa com deficiência, com sinais sonoros nas esquinas para auxiliar os
cegos, com edificações muito acessíveis. Mas, principalmente, sonho com
uma educação e saúde de qualidade para todas as pessoas. O fato de eu
ter tido boas oportunidades na vida, por poder ter estudado, feito duas
faculdades antes do meu acidente, me trouxe resiliência para lidar com a
crise. Quando parei de falar, de respirar, de andar, a minha paz
interna eu consegui para prosseguir com a educação que recebi ao longo
da minha vida. Informações assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br