Não se conhece grupo que apoie tanto o projeto do presidente Jair
Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém
como a Frente Parlamentar Evangélica, que deve reunir 91 parlamentares a
partir deste ano, entre 84 deputados e sete senadores. No fundamento do
apoio, além da conexão do Estado de Israel moderno ao antigo reino
hebreu, há uma razão voltada para o futuro — o cumprimento de supostas
profecias bíblicas do retorno de Cristo e do Apocalipse.
— Israel é um termômetro dos sinais do cumprimento do que está
escrito no Livro do Apocalipse — diz o deputado federal e membro da
Assembleia de Deus Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). —A nossa fé acredita
nisso. A transferência da embaixada diz respeito a isso. Para nós, todo
cenário será preparado para o Armagedom, como descrito no Apocalipse, e o
palco do Armagedom será na cidade de Jerusalém.
As declarações ajudam a explicar a proximidade do presidente Jair
Bolsonaro, que durante a campanha contou com a poio maciço da comunidade
evangélica, com Israel. Para um grande número dos líderes protestantes
do país, sobretudo os neopentecostais, a criação do Estado de Israel, em
1948, foi um prenúncio da volta de Cristo.
De acordo com Christopher Rollston, professor de Estudos Bíblicos da
Universidade George Washington, esses grupos evangélicos são chamados
pré-milenaristas, e veem uma grande continuidade entre eventos descritos
na Bíblia e o mundo moderno:
— De acordo com a sua leitura, certas passagens em livros de Daniel,
de Ezequiel e da Revelação preevem a criação do Estado de Israel— afirma
o professor, destacando que não compartilha da leitura, assim como
“praticamente todos os estudiosos sérios da Bíblia”. — Eles creem que a
conversão dos judeus aos cristianismo se seguirá à criação do Estado de
Israel e tudo isso se concluirá com a segunda vinda de Jesus.
Expectativa pelo fim
Yaakov Ariel, professor de estudos religiosos da Universidade Chapel-Hill e autor de “Uma relação incomum: cristãos evangélicos e judeus” (“An unusual relationship”), diz que, em sua origem, o cristianismo se baseava no messianismo — o retorno de Cristo à Terra seria iminente, com o estabelecimento do Reino de Deus. Com o tempo, as maiores tendências cristãs começaram a interpretar as passagens como simbólicas ou alegóricas, com a Igreja Católica assumindo o papel de iluminar o rebanho, no lugar de um retorno de Jesus. A partir da Reforma Protestante, no século XVII, contudo, a expectativa pelo Apocalipse reaparece:
— Lendo o Velho Testamento de uma nova maneira, alguns pensadores
messiânicos passaram a esperar que os judeus desempenhariam um papel
importante nos eventos do fim dos tempos, que pensavam que estavam
prestes a começar — afirma o autor. — As raízes do apoio cristão ao
sionismo podem ser encontradas aí.
No final do século XIX, relata Ariel, essas leituras ganharam força,
sobretudo a chamada escola dispensionalista, criada nos EUA. De acordo
com a doutrina, que é a mesma defendida por pastores neopentecostais
hoje (outros grupos, como a Igreja Presbiteriana, não a compartilham),
Jesus virá para resgatar os seus crentes e a sua igreja, antes de um
período chamado de Grande Tribulação. Durante essa época, que durará
sete anos, a Terra será devastada por cataclismos como enchentes e
terremotos, somados a regimes ditatoriais, piores do que o Holocausto,
promovidos por um Anticristo que se dirá um Messias.
O retorno de Cristo, ao cabo da turbulência, derrotará o governante
satânico, para então reinar por um período de paz de mil anos.
Cavalcante, que, além de deputado, é teólogo, se esquiva da resposta
sobre o destino dos que não se converterem, mas afirma que os judeus
terão a oportunidade de arrependimento e de conversão ao cristianismo,
por serem o povo escolhido:
— Os judeus terão uma segunda oportunidade de arrependimento —
afirma. — Eles serão a única nação que terá a oportunidade para o
arrependimento.
Rolsston explica o futuro dos que rejeitarem a conversão:
— Evangélicos acreditam que qualquer um que não se converter ao cristianismo vai para o inferno — afirma.
Essa visão de mundo, segundo Rollston, é “completamente incompatível”
com a de qualquer judeu praticante, seja ortodoxo ou conservador
reformista. Dentre as diferenças, estão a leitura profética daquilo que o
judaísmo entende serem textos antigos, assim como a conversão completa
dos judeus aos ensinamentos de Cristo:
—Em certos aspectos, a visão pré-milenarista é muito antissemita,
porque o seu objetivo é a conversão dos judeus ao cristianismo.
Apelo às bases
Se concretizada, a transferência da embaixada brasileira se seguirá às dos EUA e a da Guatemala. Nos três casos, as ações dos presidentes agradam a bases evangélicas — o país centro-americano tem a maior proporção de evangélicos na América Latina, cerca de 40% da população, enquanto no Brasil são 22%. Nos EUA, onde os evangélicos são 25%, entre 48% e 65% dos líderes do grupo são pré-milenaristas, segundo pesquisas.
Segundo altas autoridades israelenses ouvidas pelo GLOBO, o
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu entende que Bolsonaro quer realizar
a transferência de modo incondicional, por amizade a Israel. Em um
encontro entre líderes evangélicos e o premier num hotel de Copacabana
no penúltimo dia de 2018, Bibi, como é conhecido o premier, exaltou os
presentes:
— Não temos melhores amigos no mundo do que a comunidade evangélica. E
a comunidade evangélica não tem melhor amigo do que Israel.
Rollston afirma que o premier ignora propositalmente a concepção de
mundo de seus aliados, por obter vantagens a partir dela. De acordo com o
jornal israelense Haaretz, cristãos evangélicos enviaram mais de US$ 60
milhões na última década para a Cisjordânia, para financiar
assentamentos israelenses. Quase meio milhão de cristãos visita
Jerusalém todos os anos, incluindo 50 mil do Brasil.
— É claro que Netanyahu sabe que a visão que esse grupo têm do
judaísmo é problemática, mas quer o apoio mesmo assim, então a ignora —
diz Rollston.
Para o deputado Cavalcante, a transferência é inegociável:
— Não vamos abrir mão de valorizar políticas externas, agora que
estamos exercendo influência no Executivo. Entendemos que isso que está
acontecendo está baseado no cumprimento profético.
Informações fundacaoastrojildo