O período de dez anos que se encerra em 2020 poderá registrar a maior
queda da renda per capita da história republicana do país, superando
até mesmo a contração dos anos 1980, que ficaram cunhados como a década
perdida brasileira.
Uma contração do Produto Interno
Bruto (PIB) superior a 2% neste ano – que vários analistas já consideram
factível – levaria o rendimento médio da população a recuar mais do que
o 0,43% amargado entre 1981 e 1990, segundo cálculos de Fernando
Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon.
As medidas necessárias para conter a expansão da Covid-19 já têm
surtido efeito, fortemente recessivo. Isso não é exclusividade do
Brasil.
O problema, no caso brasileiro, é que o quadro negativo
da atividade não se restringe a este ano atípico. O país enfrentou uma
severa e longa recessão entre o segundo trimestre de 2014 e o fim de
2016.
Depois, veio uma recuperação lenta, que, ano após ano, vinha surpreendendo os analistas negativamente.
"A
crise atual é muito forte, abrupta, e pega uma economia com uma baixa
dinâmica de crescimento, logo no início do ano", diz Montero.
A
debilidade econômica dos últimos anos já fazia com que especialistas
comparassem o quadro de estagnação da renda média da população
brasileira nesta década com o registrado nos anos 1980, quando a
economia foi assolada por hiperinflação e crises da dívida externa.
Até
recentemente, as projeções de crescimento entre 1,5% e 2% da economia
previstos para 2020 indicavam que o desempenho do período de 2011 a 2020
seria ligeiramente melhor do que a contração de 0,43% da renda per
capita, verificada entre 1981 e 1990.
Mas, após a eclosão da
crise da Covid-19, as estimativas do PIB para este ano se deterioraram
rapidamente, passando de uma expectativa média de alta de 1,5% para
outra de queda de 0,5%.
A tendência, segundo analistas, é que essa projeção média de contração mais recente continue a cair nas próximas semanas.
Grandes
bancos como Bradesco, Itaú Unibanco e UBS revisaram seus números para
baixo. As duas instituições esperam, respectivamente, contrações de 1%,
0,7% e 2% em 2020.
Na quinta-feira (2), o BofA (Bank of America)
afirmou esperar quedas severas da atividade em toda a América Latina
neste ano, com contrações de 3,5% e 8% das duas maiores economias da
região – a brasileira e a mexicana –, respectivamente.
Para
Montero, sua estimativa atual, de uma queda de 2,5% do PIB do Brasil em
2020, já é uma espécie de cenário menos drástico possível.
"Conforme
os números de contágio pelo vírus pioram e aumentam os riscos de uma
quarentena mais extensa, talvez até recorrente, uma queda de 2,5% começa
a parecer otimista", afirma.
Per capita
Se o PIB recuar 2,5% neste ano, a queda da renda per capita na década será de 0,48%.
Montero
ressalta que um agravante do cenário atual brasileiro é o fato de o
colapso econômico recente ter se concentrado em um intervalo de poucos
anos, a partir de 2014.
"Chamam a atenção não apenas a
intensidade e a sequência das quedas anuais mas também a ausência de
qualquer recuperação significativa no intervalo dos últimos anos."
A
magnitude dos efeitos da Covid-19 sobre a atividade econômica ficará
mais clara nas próximas semanas à medida que indicadores da produção e
do consumo forem divulgados.
Mas dados preliminares mostram um impacto negativo significativo da pandemia sobre a atividade econômica.
O
Índice Gerentes de Compras (PMI, em inglês) mostrou uma queda de 3,9
pontos da atividade industrial no Brasil em março, o pior desempenho
desde fevereiro de 2017. Com esse recuo, o nível de produção passou de
52,3 para 48,4 (números abaixo de 50 indicam contração).
No caso
do setor de serviços, o desempenho capturado pelo PMI foi ainda pior:
uma queda de 15,9 pontos para 34,5 em março, o menor nível e a maior
queda desde que a série começou, no início de 2008.
O PMI é
bastante acompanhado por economistas porque se baseia em entrevistas com
executivos do segmento manufatureiro que focam indicadores como nível
de novas encomendas, variações em custos e ajustes de estoques.
Segundo
a consultoria IHS Markit, que calcula o PMI, "as medidas de saúde
pública para deter a propagação da Covid-19 levaram a uma demanda mais
baixa tanto no mercado interno quanto no externo".
A consultoria
destacou que os entrevistados relataram cortes de mão de obra que, como
um todo, causaram a maior perda mensal de empregos no setor industrial
em mais de três anos.
Além da queda de novas encomendas, os
empresários mencionaram maior pressão sobre seus custos, causada por
fatores como a desvalorização do real em relação ao dólar (leia texto
abaixo).
As medidas de isolamento também tiveram efeito sobre os
prazos de entregas de insumos. O subíndice do PMI da indústria que mede
isso caiu 4,3 pontos, a maior contração mensal desde a greve dos
caminhoneiros, que paralisou o Brasil entre maio e junho de 2018.
Outro efeito já capturado no fim de março foi um forte recuo nos emplacamentos de carros.
Indicadores
da confiança de consumidores e empresários, compilados pela FGV
(Fundação Getulio Vargas), também mostram uma deterioração abrupta do
cenário econômico nas últimas semanas.
Alguns desses índices
vinham se recuperando, embora ainda não tivessem voltado para os níveis
de otimismo anteriores à recessão despencaram.
Agora, houve uma
nova reversão de tendência. O indicador que mede a confiança de
empresários de quatro setores –indústria, comércio, serviços e
construção civil– recuou 6,5 pontos em março, para 89,5 (patamares
abaixo de 100 denotam pessimismo).
As sondagens da FGV são
formadas por dois componentes principais, um que indica a percepção de
empresários em relação ao presente e outro que revela suas expectativas
para o futuro.
O índice que aponta as tendências esperadas no
ambiente de negócios nos próximos meses recuou 14,9 pontos, a maior
queda desde outubro de 2008, quando eclodiu a crise financeira global.
A
confiança do consumidor brasileiro também registrou forte recuo em
março, atingindo 82, o menor patamar da série desde janeiro de 2017,
quando o país começava a sair da recessão.
otempo