Neste sábado histórico para o
futebol mundial,
PLACAR traz com exclusividade um rico relato feito pelo meia atacante brasileiro
Raffael de Araújo, jogador do
Borussia Mönchengladbach, equipe que voltou aos gramados nesta tarde pelo
Campeonato Alemão. O cearense de 35 anos joga na
Alemanha desde 2013 e não mudou de time desde então.
Ele compartilhou parte de sua rotina, drasticamente afetada pela pandemia do coronavírus, ao longo desta semana decisiva.
Mesmo aliviado em voltar à sua atividade profissional, Raffael sabe
que vive dentro de uma bolha, a exceção em meio à crise sanitária. “Meu
sentimento é de tristeza. Eu nunca imaginei que isso poderia acontecer, é
muita gente morrendo, muita gente passando fome, muita gente
desesperada”, diz o jogador que atua na Bundesliga. “Sinceramente, às
vezes me dá uma agonia, me dá um sentimento de tristeza profunda. Já
cheguei ao pontode chorar por causa disso tudo que está acontecendo.”
Sem poder treinar no último mês, Raffael disse que seu
período de quarentena foi similar ao da maioria das famílias. “Durante o
período que eu fiquei em casa, fiz um pouco de tudo. Cozinhei, joguei
videogame e brinquei com meus filhos. Também falei muito com meus
parentes e amigos.” Mas obviamente o camisa 11 do Mönchengladbach, time
do noroeste da Alemanha, teve
que cuidar de seu condicionamento físico. Seu clube passou um material
com instruções a serem seguidas e entregou equipamentos para os treinos
nas casas dos jogadores.
“Eles passaram uma programação de treinamentos. Além de um grupo no
WhatsApp, a gente usa uma ferramenta da empresa SAP. É um programa de
computador que todos têm acesso, até os treinadores e fisioterapeutas.
As informações chegavam através dessa plataforma. O clube também mandou
uma bicicleta ergométrica na casa de cada jogador para nos ajudar a
manter a forma”, afirma Raffael. Sobre o protocolo de saúde, o
brasileiro revelou os
jogadores e comissão técnica se isolaram em um hotel por cerca de uma
semana. Antes desse isolamento, todos foram testados, inclusive os
familiares. “Fiz o teste, na verdade vários testes.”
Leia o relato completo de Raffael de Araújo abaixo:
Segunda, 11 de maio
Elenco e comissão técnica do Borussia Mönchengladbach se
mudaram para um hotel perto de seu estádio, de modo a cumprir um período
de isolamento mínimo antes da primeira partida de retorno da
Bundesliga. Raffael levou apenas coisas essenciais: “Trouxe roupas do
clube, minha bíblia, alguns livros e o Playstation. Esse não pode
faltar”. Um andar inteiro do hotel foi separado e, antes de se
acomodarem, todos tiveram de se submeter ao teste para Covid-19. Em
cerca de duas horas, os resultados estavam prontos. “Anteriormente,
alguns jogadores dividiam quarto, mas agora todo mundo tem o seu. Já na
nossa chegada recebemos uma programação da semana toda. O horário do
café da manhã, almoço, tudo certinho até o dia do jogo.”

Terça, 12 de maio
A convivência com os demais companheiros de time nesse “novo
normal” é bem diferente das viagens ou concentração anteriores. “Ao sair
do quarto para o refeitório ou para a sala de fisioterapia, usamos
máscaras e temos que manter distância de uns dos outros. É regra. Nas
refeições, mantemos respeitamos o espaço de 2 metros. O esquema é de
buffet, os jogadores se servem à vontade, mas sem tocar em nada. Há um
vidro com um buraco para inserir o prato. Um funcionário do hotel fica
do outro lado e nos servem a comida.”
Quarta, 13 de maio
A conduta durante os jogos começa a ser passada aos atletas do Borussia
Mönchengladbach. “Hoje tivemos uma palestra e nela o treinador disse
que, caso fizermos um gol, não é para ter o contato entre os jogadores”,
disse Raffael. O camisa 11 confidenciou ainda que será difícil se
acostumar com essa parte do protocolo. “O gol é o momento mais
importante de uma partida de futebol, vai ser muito estranho. Nem
consigo imaginar qual será minha reação quando marcar ou no gol de algum
companheiro meu. Vamos ver o que vai acontecer. Será bem curioso.”
Quinta, 14 de maio
A proximidade da partida contra o Eintracht Frankfurt, no sábado, já
mudou o clima da concentração. “Estou ansioso, todos estão, na verdade.
Ontem, no treinamento, fizemos um treino coletivo: é o segundo coletivo
em duas semanas desde a paralisação. Foi muito bom ter contato com a
bola, me sentir como se estivesse num jogo.” O meia atacante sabe que a
equipe não está com a condição física mais adequada, mas ressaltou que
este problema será enfrentado por todos os clubes. “A meu ver, só a
partir do segundo ou terceiro jogo é que alcançaremos o auge da condição
física.”

Sexta, 15 de maio
Na véspera da partida, quinto dia longe da família, Raffael sentiu o
impacto do isolamento. “Deu vontade de passar em casa antes de viajar,
porque moro a 15 minutos do clube. Queria ir lá só dar um beijo no meu
filho e na minha esposa”. Mas a quarentena é imperativa: quem furar o
protocolo, não viaja (o jogo é fora de casa, contra o Eintrach
Frankfurt. “Fizemos outra bateria de exames para Covid-19 antes de
treinarmos pela última vez”, disse o brasileiro. “Diferentemente das
outras viagens, apenas os jogadores vieram no ônibus. Uma van trouxe o
restante da comissão técnica. Cada ocupou um par de bancos, sem vizinhos
de assento. Só pudemos tirar a máscara quando o ônibus entrou em
movimento.”

Sábado, 16 de maio
Dia de jogo, marcado para as 18h (horário local, 13h de Brasília).
Raffael detalhou o que mudou na rotina prévia. “Após o almoço, recebemos
nos quartos o uniforme e chuteiras. Deveríamos estar prontos para o
jogo antes mesmo de chegar ao estádio. Então, embarcamos no ônibus no
mesmo esquema de distanciamento social usado no dia anterior.”
Antes da pandemia, as equipes chegavam no local do jogo cerca de 1h30
antes da partida. Desta vez, o meia atacante brasileiro disse que foi
tudo mais rápido. “Ficamos uns 10 minutos no vestiários. Logo em
seguida, subimos para o gramado e fazer o aquecimento.”
O camisa 11 estava entre os reservas e, para respeitar a distância de
dois metros entre cada jogador, os suplentes usaram parte dos assentos
das arquibancadas. “Cada reserva vestia máscara e tinha sua própria
garrafinha de água.”
Raffael viu de fora do campo sua equipe vencer o Eintracht Frankfurt
por 3 a 1 e encostar nos líderes do Alemão. O cearense de 35 anos contou
que as comemorações foram menos efusivas. No banco de reservas, mesmo
entre os adversários o vazio das tribunas foi tema da resenha
“mascarada”. “Comentei com o Gelson Fernandes (jogador do Eintracht
Frankfurt), que me disse que além da dificuldade de estarem atrás no
placar, o time da casa sentia que não tinham apoio para buscar a virada.
Ainda mais para eles, que possuem uma torcida barulhenta e no estádio
cabem umas 50 000 pessoas.”
Já na estrada, retornando para Monchengladbach, Raffael fez uma
reflexão sobre sua jornada, dentro e fora de campo. “Quando surgiu esse
vírus aqui, a população e os governantes se uniram. A primeira
preocupação no país se tornou a pandemia. O povo alemão é muito
consciente, então quando foi proposto o protocolo de isolamento, eles o
seguiram à risca. Não se via ninguém na rua, diferentemente do que
acontece no Brasil.” Veja