Diversos projetos inovadores e educativos desenvolvidos pela Justiça
buscam ressocializar jovens em conflito com a Lei. Hoje, 22 mil estão
internados nas 461 unidades socioeducativas em todo o Brasil. Histórias
de sucesso incluem um embaixador da ONU, prêmios internacionais e
parcerias para inclusão profissional dos adolescentes atendidos.
Aos 16 anos e cumprindo medida semiaberta no sistema socioeducativo,
Lucas* decidiu mudar de vida: quer voltar a estudar e começar a
trabalhar. O motivo da mudança é a sua participação no Programa Central
de Aprendizagem, da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro (TJRJ), que tem por objetivo dar uma oportunidade de emprego a
jovens em situação de vulnerabilidade social – tanto aqueles que cumprem
medidas socioeducativas, quanto os que vivem afastados de suas famílias
em instituições de acolhimento.
Os adolescentes são encaminhados à Central de Aprendizagem por
profissionais das Varas de Infância que indagam, durante as audiências,
se querem participar do programa, identificando as áreas de interesse de
cada um. Os juízes responsáveis também fazem contato com as respectivas
famílias para explicitar a importância do programa e do engajamento de
todos os envolvidos.
A Central de Aprendizagem, que começou em junho de 2017, criou uma
plataforma com o banco de dados dos jovens para facilitar o contato com
empresas fluminenses – em especial, aquelas indicadas pelo Ministério
Público do Trabalho (MPT) por precisar cumprir a cota de aprendizagem
estabelecida por lei. Atualmente, estão cadastrados 1.371 jovens de 14 a
24 anos e 58 deles foram contratados como aprendizes. “O número é
pequeno, mas bastante significativo. Nenhum dos adolescentes que
ingressou no mercado de trabalho voltou a reincidir no crime”, diz
Alessandra Anátocles, diretora-geral de Administração da Corregedoria do
TJRJ, que coordena a Central de Aprendizagem.
Além de fazer a ponte com as empresas, a Central também auxilia os
adolescentes a regularizar seus documentos básicos – dos 1.371
inscritos, apenas 414 deles os tinham – e começou a oferecer cursos de
preparação para o mercado de trabalho. A primeira turma conclui em breve
um curso com carga horária de 132 horas, realizado em parceria com a
Amil, que pretende contratar alguns desses jovens.
Ao longo de três meses e 33 horas, os jovens tiveram aulas que
abordaram temas como Noções de mercado de trabalho, Comportamento e
Elaboração de currículo. A turma começou com 25 alunos e terminou com
18. Lucas* foi um dos que persistiu até o fim.
E não foi uma jornada simples: todos os dias, o rapaz deixa o sistema
socioeducativo às 11h, pega um ônibus, um trem e um metrô para chegar
às 14h na Central de Aprendizagem, que fica na Escola de Administração
Judiciária (Esaj), no centro do Rio. Depois da aula na Central, o rapaz
caminha 40 minutos, para economizar a passagem, até a escola. De lá,
retorna às 22h para o sistema socioeducativo. “É cansativo, mas está
valendo à pena. É muito difícil as pessoas darem uma oportunidade, uma
segunda chance”, diz.
Depois que passou a frequentar o curso na Central de Aprendizagem, o
jovem diz ter “despertado para o estudo”. “Voltei a estudar, estou
concluindo o Ensino Fundamental. Minha família está muito feliz,
acreditando na minha mudança”, diz o garoto, que, após o cumprimento da
medida, deverá voltar a morar com os pais em Belford-Roxo, na baixada
fluminense.
Perfil
Levantamento feito pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização
do Sistema Carcerário e das Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional
de Justiça (DMF/CNJ) sobre o quantitativo de adolescentes infratores em
regime de internação no Brasil mostra que o Rio de Janeiro ocupa o
segundo lugar no número de jovens internados, perdendo apenas para São
Paulo, que possui mais de seis mil internos. No entanto, o estado do
Acre é o que chama mais atenção: apesar de ter apenas 545 adolescentes
internados, estes correspondem a 62,7 de cada 100 mil habitantes no
estado.
Outra unidade que chama a atenção é o Distrito Federal, que fica em
segundo lugar, a frente de estados bem mais populosos e considerados
mais violentos, como São Paulo e Rio de Janeiro. Já o Estado do Amazonas
possui a maior proporção de adolescentes internados por decisão
provisória (sem uma sentença do juiz): 44,15% do total de internados,
seguido por Ceará, Maranhão, Piauí e Tocantins.
Outra informação que consta no levantamento do DMF é de que há muito
mais meninos com liberdade restrita do que meninas. No total, há apenas
841 jovens do sexo feminino hoje internadas no Brasil (excluindo Minas
Gerais, Sergipe e Amazonas cujos dados não foram entregues).
“Adolescentes masculinos se envolvem mais em crimes, isso é o que sempre
observamos. E grande parte deles em roubos, furto e outros atos
ilícitos como tráfico de drogas”, comentou Márcio da Silva Alexandre,
juiz auxiliar da Presidência do CNJ designado para atuar no DMF.
Brasília
De olho no público de jovens meninos em situação de risco ou em
conflito com a Lei em Brasília, um jovem representante das Nações Unidas
(ONU) faz encontros mensais, especialmente com egressos do sistema
carcerário e das unidades socioeducativas. Eles formam um clube de
leitura. Aos 26 anos, Jeconías Neto Lopes perdeu as contas de quantas
vezes já foi preso. “Entrei para o mundo do crime aos 12 anos. Mas com
oito já praticava pequenos delitos. Fui criado em um ambiente complexo.
Meu irmão está preso, tenho um primo traficante. É muito difícil não se
envolver quando se é criado neste meio”, explicou.
Enquanto cumpria pena no regime semiaberto, Jeconias conheceu
Stephany, sua atual esposa e razão para a sua busca por uma vida melhor.
Em 2012, começou a vender livros para custear os estudos. Por meio da
Igreja Adventista do Sétimo Dia, entrou na Universidad Adventista del
Plata, na Argentina, e se formou em Teologia no ano passado.
A participação na igreja também o levou a realizar trabalhos sociais.
Hoje, Neto é responsável por auxiliar 150 famílias em Samambaia e 138
crianças em Planaltina através da Adra-Brasil, uma Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) de objetivos assistenciais,
beneficentes e filantrópicos. Ele ocupa o cargo de diretor regional.
A relação com a ONU começou por meio de uma seleção para Embaixador
da Juventude da ONU. Para participar do programa, foi preciso que
Jeconias fizesse uma seleção de seus projetos. A primeira etapa do
concurso foi uma análise de currículo. Brasileiros de várias regiões se
inscreveram e ficaram apenas 50 competidores. Na segunda etapa, a prova
era enviar um vídeo explicando o porquê de ser merecedor da vaga de
embaixador. O rapaz ficou entre os 20 melhores colocados.
“Agora dou palestras em todo o País contando a minha história,
mostrando que é possível dar a volta por cima. Quero mudar a vida das
pessoas. Tenho amigos que conseguiram sair do mundo do crime e estão
muito bem. São histórias que me dão orgulho”, conta emocionado. Pelo
menos uma vez por mês ele se encontra com mais cinco ex-detentos em
alguma cafeteria da cidade, “para dar aquele orgulho para a autoestima” -
diz, e conversam sobre algum livro. “Escolho livros que tenham relação
com a nossa história. O deste mês foi Crime e Castigo, do escritor russo
Fiódor Dostoiévski".

Uma ação do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) uniu estudantes de uma
escola pública e jovens em conflito com a Lei. A ação conjunta dos
projetos “Reescrevendo Nossa História” e “Conquistando a Liberdade” foi
intitulada “Papo di Rocha” e foi realizada no mês passado, na Escola
Estadual de Ensino Médio Padre Eduardo, localizada no distrito de
Mosqueiro, em Belém. O encontro consiste em uma roda de conversa entre
alunos e adolescentes infratores para abordar assuntos como drogas,
delitos, relações familiares e a vida no cárcere.
O responsável pelo evento foi o juiz Vanderley de Oliveira Silva, da
3ª Vara da Infância e Juventude de Belém/PA. Ele é um entusiasta das
medidas alternativas e de apoio à educação como formas eficientes de
ressocialização. Ao constatar que cerca de 70% dos jovens que cumpriam
medidas socioeducativas reincidiam no crime, o juiz ponderou que alguma
coisa estava errada na aplicação dessas medidas. Além disso, era visível
que os jovens infratores pertenciam quase sempre a famílias
desestruturadas e muito carentes.
Com o intuito de recuperar esses jovens e, ao mesmo tempo,
integrá-los na família e na comunidade, o magistrado idealizou o projeto
"Escrevendo Nossa História", que funciona atualmente em dois núcleos:
em Belém e em Jacundá, município a 400 quilômetros da capital paraense.
Por meio da parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e da
iniciativa privada, os jovens passaram a contar com um espaço destinado a
cursos profissionalizantes para inserção no mercado de trabalho nas
empresas parceiras, além de aula de música e esportes.
No ano de 2017, o projeto atendeu 600 pessoas e, neste ano de 2018,
já atendeu mais 500, que fazem vários cursos, entre eles: corte e
costura, informática, gastronomia e musicalização (em parceria com o
Instituto de Música Carlos Gomes), e ainda praticam esportes e têm
atendimento multidisciplinar. Participam tanto os socioeducandos que
cumprem medidas em meio aberto, quanto aqueles que estão em meio fechado
– nesse caso, sob monitoramento dos agentes socioeducativos. Em caso de
descumprimento de regras do projeto, os jovens são levados a uma
audiência para avaliar o desligamento.
Música
Um festival de artes desenvolvido na Unidade de Internação de Santa
Maria (UISM/DF) foi premiado pelo Unicef este ano. Chamado de
Ressocialização, Autonomia e Protagonismo (RAP), o projeto oferece aos
internos atividades relacionadas à arte e que são realizadas ao longo do
ano.
Pedro*, 17 anos, nunca teve contato com a arte até ser sentenciado a
cumprir medida socioeducativa na UISM. Há um ano, é presença certa nas
oficinas de violão, oferecidas pela administração. “Por meio das minhas
músicas, eu consigo expressar o que vivo, o que passo. Minha maior
inspiração é a vontade de recomeçar longe daqui”, conta ele, criado em
Samambaia, no Distrito Federal.
O Festival é resultado de uma parceria entre a Secretaria de
Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude do DF (Secria), a
Secretaria de Estado de Educação (SEE-DF), o Núcleo de Ensino da UISM, o
Projeto RAP, a Coordenação Regional de Ensino de Santa Maria, o
Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e a Associação Respeito e
Atitude (Area). O projeto foi selecionado pelo Prêmio Itaú-Unicef no
Distrito Federal. A indicação já rendeu R$ 20 mil aos cofres da
instituição, verba a ser aplicada em atividades pedagógicas.
*Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos jovens.
CNJ