O presidente Jair Bolsonaro apagou de seu perfil no Twitter a publicação que mostrava duas pessoas praticando o chamado "golden shower" no carnaval.
A
exclusão do controverso tuíte, 16 dias após a publicação na conta
oficial do presidente, acontece um dia depois de a BBC News Brasil
revelar que os advogados da dupla retratada nas imagens ingressaram com
pedido de um mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal (STF) exigindo que a postagem fosse excluída da conta de Bolsonaro.
O pedido foi protocolado nesta terça-feira. Na quarta, o ministro Marco Aurélio Mello foi escolhido como relator do caso.
Procurada,
a Advocacia-Geral da União informou que a Secom (Secretaria Especial de
Comunicação Social da Presidência da República) seria a responsável
pelo caso. A BBC News Brasil entrou em contato com a Secom, que
limitou-se a dizer, em nota, que "a Presidência da República informa que
não vai comentar o assunto".
A reportagem também entrou em contato com os advogados da dupla do "golden shower".
Em nota, os advogados Flavo Grossi e Cynthia Almeida Rosa disseram que
tomaram conhecimento da exclusão "aparentemente voluntária do tuite".
"Em que pese a atitude republicana do mandatário da nação,
consideramos que, processual e tecnicamente, ainda há questões jurídicas
a serem enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal", dizem os
defensores, sem dar detalhes sobre o processo, que corre em segredo de
justiça.
"É preciso destacar que a atitude do Presidente é uma
grande vitória para os artistas, para a democracia e para o pleno
respeito e fruição dos direitos fundamentais, que são inalienáveis,
irrenunciáveis e invioláveis, inclusive por ações do Presidente da
República", prosseguem os advogados.
Argumentação
Até hoje, a Justiça brasileira nunca determinou a nenhum presidente da República que apagasse postagens feitas em redes sociais.
O
pedido explora uma área ainda nebulosa e pouco discutida da legislação,
ao abordar no STF os limites da atuação do chefe de Estado em suas
redes sociais.
A peça, à qual a BBC News Brasil teve acesso,
aponta que o presidente teria extrapolado suas funções como chefe de
Estado ao expor as pessoas que aparecem no vídeo, colocando-as em risco e
desrespeitando direitos garantidos na Constituição, como respeito à
imagem, à honra e à livre expressão artística.
No texto, os
advogados argumentam que um presidente "criticar um Senador da República
porque este tem uma determinada visão da política econômica é uma
coisa, criticar um artista de enorme exposição midiática é outra, a qual
é bem diferente de criticar um cidadão comum".
A dupla retratada nas imagens, segundo seus representantes legais,
"não tem poder político, econômico ou imagético para fazer frente à
poderosa máquina de comunicação em torno do Presidente da República".
Ainda
segundo o texto, eles teriam sido obrigados a abandonar suas casas em
São Paulo e buscar abrigo em outro Estado após serem "vítimas de
retaliações desproporcionais e absurdas nas ruas de São Paulo e nas
redes sociais".
Relembre o caso
Postado
pelo presidente da República no Twitter em 5 de março, o vídeo que
mostrava duas pessoas dançando em cima de um ponto de táxi durante a
passagem de um bloco de Carnaval em São Paulo.
Nas imagens, elas
praticam atos obscenos, incluindo uma cena em que um urina no outro -
prática fetichista conhecida como "golden shower".
Junto às
imagens, Bolsonaro escreveu: "Não me sinto confortável em mostrar, mas
temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre
tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no
carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conslusões (sic)".
O
presidente tem, atualmente, quase 3,8 milhões de seguidores apenas no
Twitter. Horas antes de ser apagado, o tuíte de Bolsonaro havia sido
compartilhado 13,4 mil vezes, comentado por 65 mil perfis e curtido por
87 mil pessoas na rede social.
As imagens também foram replicadas em portais e outras redes sociais como o YouTube e o Facebook.
A
publicação do vídeo gerou controvérsia imediata, com milhares de
pessoas criticando o que consideraram "falta de decoro", postagem de
imagens escatológicas que não representam o Carnaval e uma tentativa de
desviar a atenção dos protestos de foliões contra o presidente nos
blocos de rua.
Apoiadores do presidente, por sua vez, defenderam o
uso do vídeo para fazer o que consideram uma denúncia. Para a deputada
Joice Hasselmann (PSL-SP), por exemplo, o vídeo teria exposto a
hipocrisia de parte da esquerda.
"Essa esquerda que mostra bundas e
peitos nas ruas, que usa símbolos religiosos pra cometer atos profanos
em praça pública, que apoia exposições com adultos pelados para crianças
tocarem, agora está 'chocada' com o vídeo compartilhado pelo
presidente", escreveu a política, atual líder do governo no Congresso.
Em
meio ao debate, o presidente tuitou novamente, fazendo uma pergunta: "O
que é golden shower?". A referência foi ao termo em inglês que define
um fetiche sexual que envolve a prática de urinar sobre o parceiro. BBC