A principal marca da igreja primitiva
descrita no livro bíblico de Atos é a generosidade, mas a igreja
moderna não consegue se encaixar neste modelo, “mantendo-se unidos e
tendo tudo em comum”.
O pastor Joel Engel explica ao Guiame
que muito disso se deve à falta de conhecimento sobre as leis em torno
do dízimo e ofertas do Antigo Testamento, que promove até hoje um senso
de justiça social entre o povo de Israel.
“Essa é a cultura bíblica, que
deveria ser a nossa também, mas os cristãos geralmente não leem o Velho
Testamento e perdem essa fatia muito boa do equilíbrio social”, afirma.
O pastor também defende que, em tempos de pandemia de Covid-19, a igreja deve ajudar não apenas os necessitados, mas também os membros que perderam a renda.
“Toda igreja que viveu 10 ou 20 anos
recebendo dízimos e ofertas, cresceu, armazenou e enriqueceu, é mais do
que justo hoje que essa igreja volte aos seus cofres e auxilie aqueles
que sempre ofertaram”, sugere.
Confira abaixo a entrevista completa:
Guiame: Na sua visão, porque a maioria das igrejas hoje não consegue viver o modelo bíblico da generosidade de Atos?
Joel Engel: A igreja
do livro de Atos era composta por judeus. Nós só vamos ver o primeiro
gentio entrar na igreja no capítulo 10, que foi Cornélio, um soldado
romano. Ele mesmo já era acostumado a dar esmolas e fazer ofertas. Na
cultura judaica, isso é chamado de Tzedaká, que significa uma oferta de
justiça social.
Nas leis sociais da Bíblia, Deus
estabeleceu que a cada 7 anos houvesse em Israel o ano Shemitá. No ano
Shemitá, não poderia haver colheita e Deus assumia posse da terra. O
próprio agricultor não podia dizer que era dono da colheita, qualquer
pessoa que passasse fome poderia entrar e comer.
Nós vamos na Bíblia em certo dia em
que Jesus comeu espigas quando passava em uma lavoura e foi condenado
porque comeu no sábado. Mas era normal uma pessoa entrar na lavoura e
pegar algo para comer. Hoje para nós isso é pecado, como se fosse um
roubo, mas pelas leis bíblicas não é. Na lei que Deus deu para que
houvesse um equilíbrio social, tudo o que cai no chão pertence ao pobre e
ao necessitado.
Na lavoura, se cai uma espiga no chão, o agricultor não junta; alguém que está passando com fome pode pegar e comer.
Isso está muito presente na cultura
judaica, até os dias de hoje. Os judeus costumam dar, além de seu dízimo
mensal, um outro dízimo voltado apenas para os pobres, também de 10%. O
dízimo chega a 30%, já que eles também separam uma parte para ajudar
familiares e pessoas que trabalham na obra de Deus.
Isso está enraizado na cultura
judaica. Todas as pessoas que têm posses ajudam aqueles que não têm, por
isso em Israel você não vê pessoas pedindo esmolas.
Outra lei muito forte é a lei dos
escravos. Eles só podiam ser escravos por 7 anos, depois disso, também
no ano Shemitá, todos tinham que ser libertos. Muitos escravos preferiam
continuar na mesma posição, e aqueles que decidiam continuar com o seu
senhor furavam sua orelha, e eram conhecidos como servos da orelha
furada.
Como pode um escravo querer
permanecer nessa condição pelo resto da vida? É que a escravidão na
cultura judaica é diferente, porque o escravo deve comer a mesma comida
que seu senhor. O escravo tinha a mesma qualidade de vida que seu
patrão; isso chama-se justiça. Até os dias de hoje a sociedade é
equilibrada em Israel.
Em Israel, os restaurantes “kosher” —
que seguem a lei judaica — dão o dízimo da comida; 10% do que entra na
cozinha é dado para as pessoas que não têm. Um rabino pode ir a qualquer
restaurante sem precisar pagar, pelo contrário, é uma honra para um
restaurante recebê-lo.
A cultura judaica sempre foi de
repartir e de todos comerem a mesma comida: pobres, ricos e escravos,
porque a terra é de Deus. O rico é apenas um privilegiado, que recebeu a
graça de manifestar o amor de Deus ao próximo. Ele é um administrador
das coisas de Deus e deve reparti-las bem.
Guiame: Na prática, como funciona o Tzedaká?
Joel Engel: As
primeiras pessoas beneficiadas pelo Tzedaká, a oferta de justiça, são os
familiares e os parentes próximos que estão em necessidade; depois os
trabalhadores e escravos; depois os vizinhos e, se a pessoa tiver
condição, toda a comunidade. Por exemplo, se há um fazendeiro com uma
boa fazenda, ninguém naquele perímetro irá passar fome.
Essa é a cultura bíblica, que deveria
ser a nossa também, mas os cristãos geralmente não leem o Velho
Testamento e perdem essa fatia muito boa do equilíbrio social.
Por causa da cultura judaica, no
livro de Atos, eles já tinham essa mentalidade de repartir. Jesus veio e
ampliou isso. Jesus ensina o mesmo princípio dos profetas. Elias tinha
muitos discípulos, mas somente Eliseu recebeu porção dobrada, porque os
judeus sabem que a pessoa só quem tem mérito recebe um prêmio de Deus.
Quem dá o dízimo e a Tzedaká não fez
mais do que a obrigação; não tem muito mérito por isso. Mas há um mérito
quando ele dá mais que o dízimo e a Tzedaká. Eliseu foi o único que
ofereceu os bois, seu arado e dedicou sua vida para servir Elias, e por
isso recebeu porção dobrada.
A essência da igreja primitiva era a
entrega além do que a lei pedia. A igreja primitiva tinha essa
consciência de que alimentar as viúvas e pobres da igreja era algo
absolutamente normal. Quer dizer, não há recompensa por isso, está
dentro da obrigação. Agora, quem fez mais do que isso, entregando
propriedades para serem repartidas, esse vai receber a recompensa.
Hoje nós vemos na igreja o contrário;
irmãos que brigam se devem dar o dízimo ou não. A maioria dos crentes
não são de dar esmolas, alguns até mesmo se opõem a isso. Quando
Jerusalém foi tomada pelas forças do comandante romano, Tito, a igreja
se dispersou e, com o passar do tempo, passou a ser romana e perdeu os
princípios mais importantes da cultura judaica.
Nos dias de hoje, a igreja se tornou
tão fria que pode ver alguém sendo assassinado ou pedindo esmola que não
se comove. A igreja perdeu suas raízes e está tão diferente de Jesus,
que tem dificuldades de ajudar o vizinho. Essa é a igreja que só quer
receber. As pessoas fazem campanhas dia e noite para serem mais
abençoadas, para poder receber mais. As palavras “dar” e “ajudar” são
pouco usadas. Os pastores pregam pedindo o dízimo para a igreja, não há
ensinamento de ajuda ao próximo. Pela falta desse ensinamento, a maioria
das igrejas perdeu essa visão.
Guiame: Como a Igreja deve lidar com o aumento da necessidade de seus membros em tempos de pandemia?
Joel Engel: Toda
igreja que viveu 10 ou 20 anos recebendo dízimos e ofertas, cresceu,
armazenou e enriqueceu, é mais do que justo hoje que essa igreja volte
aos seus cofres e auxilie aqueles que sempre ofertaram.
O governo está dando uma ajuda de
custo àqueles que sempre contribuíram com seus impostos, mas a igreja
deve fazer ainda mais. Seja repartindo, socorrendo, preparando equipes
que vão atender essas pessoas. É justo que todos estes que passaram anos
ofertando na igreja recebem auxílio da igreja.
Guiame: O que o Ministério Engel tem feito em resposta às necessidades das pessoas?
Joel Engel: Antes de
fundar o Ministério Engel, eu tive um encontro com Jesus e ele salvou a
minha padaria e nós prosperamos. Eu tive esse entendimento de que eu
deveria ajudar os pobres da comunidade próxima a minha casa e dediquei
uma parte da renda para isso. O nosso ministério foi fundado em cima
dessa visão, levar às pessoas o pão do Céu e o pão da terra.
Nos primeiros três anos, nós
distribuíamos para a favela quase 100% daquilo que recebíamos. Eu
entendi que deveria entregar tudo para Jesus, empresas, carros e
propriedades. Isso se tornou uma coisa natural em nosso ministério.
Todo mês, uma parte do que recebemos
de ofertas e dízimos sempre volta para os ofertantes. Como fazemos isso?
Separamos aquilo que entra e distribuímos 10% para as pessoas que
trabalham na obra e outros 10% para obras sociais, mas a porcentagem de
ajuda para o social acaba sendo sempre maior. Nós ajudamos no mesmo
sistema de Tzedaká.
A igreja está recebendo, mas a igreja
não é um banco, ela não foi criada para armazenar riquezas. A igreja é
um canal por onde Deus deve enviar riquezas para fazer a obra do Reino
crescer e prosperar.
No final do ano passado, nós ajudamos
12 pastores que não tinham condições para irem a Israel. Este é só um
exemplo, porque daquilo que nós recebemos dos pastores, investimos neles
também.
Todo mês também sondamos aqueles
pastores que precisam de ajuda com o aluguel ou outras contas. Outra
parte destinamos para os intercessores, ajudando a pagar compras e
outras necessidades. Uma outra vai para os pobres, por exemplo, o
projeto que ajudamos na África.
Quando aconteceu a pandemia, nós
chamamos todos os obreiros da igreja e pedimos que eles apresentassem
uma lista de supermercado para que não faltasse nada em suas casa
durante a quarentena. Para a glória de Deus, com muita alegria, eu estou
dizendo que na pandemia, na situação mais difícil, a nossa igreja
prosperou em todos os níveis.
Distribuímos mais de 500 cestas
básicas e pagamos contas de membros, tratamentos médicos, sem deixar
faltar nada. Não achamos que fazemos muito, fazemos apenas aquilo que é
normal, aquilo que é justo. É assim que estamos hoje, ninguém tem falta
de nada.
(Com informações: Guiame)